O COMPLEXO INDUSTRIAL DE TRÓIA DESDE OS TEMPOS DOS CORNELII BOCCHI

The production center of Tróia since the times of the Cornelii Bocchi

Inês Vaz Pinto, Ana Patrícia Magalhães, Patrícia Brum

Troiaresort – Investimentos Turísticos, S,A. contacto  ines.pinto@troiaresort.pt

Abstract

The recent works preparing the redevelopment and presentation of the ruins of Tróia led to the identification of a level of construction from the time of Tiberius, including materials from Augustan times, associated with the walls belonging to the largest fish-salting factory at Tróia. These new stratigraphic data pre-date the Claudian era, to which the foundation of Roman Tróia was previously attributed. This makes more plausible the connection between Cornelius Bocchus and the Fish-salting production center, where an inscription dedicated to him was found.

The main purpose is to bring to light the 25 fish-salting workshops identified in the archaeological site of Tróia and the outstanding production capacity of this settlement. As some of the workshops have not been totally excavated, many of them are half destroyed by the tides, and others still lie hidden under the dunes, the production capacity that can currently be estimated and that is reported in these pages may be considerably less than the true capacity of this exceptionally large production center.

Resumo

Os recentes trabalhos preparatórios da valorização das ruínas de Tróia permitiram definir um nível de construção de época tiberiana, que inclui materiais augustanos, associado a paredes pertencentes à maior fábrica de salga de Tróia. Estes novos dados estratigráficos, que antecipam a datação claudiana anteriormente postulada para a fundação da Tróia romana, tornam mais palpável a relação que não poderá deixar de ter existido entre Cornelius Bocchus e o centro de produção de salgas de peixe onde foi encontrada uma inscrição que lhe é dedicada.

Nesta apresentação, pretende-se sobretudo dar a conhecer as 25 oficinas de salga que foi possível identificar nas ruínas de Tróia e a extraordinária capacidade de produção deste sítio. Tendo em conta que algumas das oficinas não foram escavadas na totalidade, muitas estão já incompletas pela destruição causada pelas marés, e outras estarão ainda escondidas sob as dunas, a capacidade de produção que se pode apontar hoje ficará muito aquém da capacidade real deste centro de produção de dimensão excepcional.

Foi achada em Tróia, no século XIX, uma placa honorífica com uma inscrição dedicada a um Cornelius Bocchus, da ordem equestre, que exerceu os cargos de praefectum fabrum, tribuno militar da III Legião Augusta e .âmine provincial (CIL II 5184, IRCP 207). Pertencia sem dúvida à conhecida família dos Cornelii Bocchi, originária de Salacia (Alcácer do Sal), à qual se referem outras inscrições e da qual se conhecem três gerações. Essa inscrição convida a relacionar a fundação do centro de produção de preparados de peixe de Tróia com esse personagem que terá vivido durante o principado de Augusto. É até possível que as suas várias funções tenham incluído o abastecimento dos exércitos, o que o levaria a investir na produção de salgas de peixe, um dos produtos essenciais à alimentação em campanha (Diogo e Trindade, 1999; Morais, 2007). Contudo, a atribuição da fundação do centro de produção de Tróia a um personagem da época de Augusto não condizia com a data de fundação inferida dos dados arqueológicos disponíveis, que apontavam para a época de Cláudio (Étienne, Makaroun, Mayet, 1994, p. 30). A inesperada identificação, em 2010, de um nível de ocupação da época  de Tibério, com materiais augustanos, associado à maior fábrica de salga de Tróia, veio dar maior  consistência à ligação deste centro de produção ao personagem que aí foi homenageado.

Neste estudo apresenta-se, em primeiro lugar, esse contexto datante, mas o contributo principal da equipa que desde 2006 se ocupa da conservação e valorização do sítio arqueológico de Tróia será o de dar a conhecer as múltiplas oficinas de salga aí identificadas, a maioria nunca publicada, com o objectivo de dar uma noção mais aproximada à realidade da importância e capacidade de produção deste complexo de preparados de peixe. O facto de algumas das oficinas não terem sido escavadas na totalidade, muitas estarem já incompletas devido à acção destrutiva das marés, e outras estarem ainda  escondidas sob as dunas significa, no entanto, que a capacidade de produção que se pode apontar hoje ficará muito aquém da capacidade real deste centro de produção de dimensão excepcional.

Fig. 1. Planta esquemática da área de escavação entre a oficina 2 e o armazém das ânforas.

UM NÍVEL DE ÉPOCA TIBERIANA

Os recentes trabalhos preparatórios da valorização das ruínas de Tróia exigiram a escavação de uma área imediatamente a nordeste da oficina de salga 2, entre a parede nordeste desta oficina e a parede sudoeste do armazém das ânforas há muito aí identificado (Fig. 1).

A oficina de salga 2 pertenceu, na época da sua construção, a uma grande fábrica de salga que não foi ainda completamente escavada, mas que compreendia, pelo menos, duas oficinas de tamanho desigual, interpretadas e publicadas em 1994 por R. Étienne, Y. Makaroun e F. Mayet com a designação de usines I et II. A oficina 1 tinha uma área estimada de 1106 m2 e dela se conhecem dezanove tanques, enquanto a oficina 2 tinha um total de dezanove tanques, alguns deles subdivididos, e uma área de cerca de 346,50 m2. As duas oficinas tinham comunicação directa entre si através de um corredor e só mais tarde, no século III, foram divididas em unidades de produção mais pequenas, tendo a passagem entre as duas sido fechada. A nordeste da oficina 2 situava-se um armazém, identificado nos anos 60 do século XX de acordo com as fotografias de M. Farinha dos Santos, que nos vários momentos da sua escavação conservava ainda ânforas encostadas às suas paredes (Fig. 2), e que nos finais do século II ou inícios do III foi desactivado para dar lugar a um mausoléu cuja parede noroeste assentou sobre a parede sudeste do armazém (Étienne, Makaroun e Mayet. 1994, pp. 81-82).

Fig. 2. Fotografia do armazém das ânforas do Arquivo Fotográfico do Prof. Manuel Farinha dos Santos (1958- 1963), cedido por João Luís Cardoso.

Fig. 3. Fotografia do armazém das ânforas durante a escavação de 2009.

Fig. 4. Fotografia da área de escavação entre a oficina 2 e o armazém das ânforas.

Os trabalhos arqueológicos desenvolvidos em 2009 e 2010 puseram à vista a parte deste armazém já anteriormente escavada, revelando que tinha 4,40 m de largura e um comprimento de 7 m (Fig. 3). A sudoeste, no espaço que o separava da oficina 2, apareceu uma parede perpendicular e adossada à parede nordeste dessa oficina, alinhada com a parede noroeste do já identificado armazém das ânforas. Foi interpretada como pertencendo a uma fase inicial e delimitaria um espaço que poderia ter a mesma função de armazenagem (Fig. 1).

Este armazém já havia sido parcialmente escavado, permanecendo intacto o piso e parte de seis ânforas que foram deixadas junto à parede noroeste deste compartimento. Apenas numa pequena faixa com 0,80 m de largura, junto ao limite nordeste deste compartimento, se pôde escavar depósitos não perturbados compostos por um primeiro nível de estratos de destruição, um nível com um enterramento infantil em imbrex, associado à necrópole do mausoléu, e finalmente o depósito arenoso que cobriu esta área depois do seu abandono.

A escavação da área entre a oficina 2 e o armazém das ânforas tinha uma grande potência estratigráfica por escavar, revelando uma estratigrafia complexa, composta por várias fases e com uma ampla diacronia (Figs. 4 e 5).

Fig. 5. Perfil estratigráfico realizado no limite sudoeste da área de escavação entre a oficina 2 e o armazém das ânforas.

Nos níveis superiores de escavação foram escavadas unidades estratigráficas (u.e.) possivelmente ainda ligadas à necrópole do mausoléu e identificaram-se algumas estruturas tardias já muito destruídas (ex. escada ([699], [790] e [791]) e troços de paredes) que confinavam um espaço cuja funcionalidade ainda está por definir. A canalização visível na Fig. 4 já era visível na oficina 2, enquadrando-se na sua segunda fase de construção/utilização.

A primeira fase de utilização deste espaço, e consequentemente das oficinas 1 e 2, corresponde ao piso [767]=[768] ilustrado no perfil da Fig. 5. A escavação do piso [767] = [768] revelou um fragmento indeterminado de parede de vidro itálico polícromo (nº1, Fig. 6), oito pequenos fragmentos de terra sigillata de tipo itálico, dois dos quais integráveis no tipos Consp. 22 e 25.1 (nºs 2 e 3, Fig. 6); dois bordos de ânforas Dressel 2-4, uma itálica de fabrico aparentemente da Campânia (com pequenas inclusões brancas angulosas ou sub-roladas, pequenos minerais negros arredondados ou alongados em menor quantidade e alguns óxidos de ferro) (nº 4, Fig. 6) e a outra com pasta granulosa e avermelhada aparentemente do baixo Guadalquivir (nº 5, Fig. 6); um bordo com arranque superior de asa de ânfora de pasta clara calcária típica da baía de Cádis, de forma indeterminada; dois bordos de ânfora Dressel 14 da variante A de fabrico regional (n.º 6, fig. 6); três fundos de ânfora Dressel 14, provavelmente também da variante A, de fabrico regional, (nºs 7-8, Fig. 6); três fragmentos de opercula de fabrico regional (nº 9, Fig. 6); um bordo de dolium igualmente de fabrico regional (nº 10, Fig. 6); um bordo com o perfil incompleto de um pequeno  dolium com pasta bege granulosa típica do baixo Guadalquivir; uma tigela de cerâmica comum de fabrico regional (nº 11, Fig. 6) e três fragmentos de bordo de tampas de cerâmica comum de fabrico igualmente regional.

A u.e. [796] corresponde à preparação de um piso (não visível no perfil) do lado noroeste da estrutura [770]. Esta unidade arenosa com uma grande densidade de brita do mesmo tipo que a brita utilizada nos revestimentos e pavimentos da primeira fase da oficina 2, apresentou um fragmento de parede lisa de terra sigillata de tipo itálico, um fragmento de ânfora de fabrico regional cuja forma é uma imitação da ânfora piscícola bética Dressel 7-11 (nº 12, Fig. 6), um grande fragmento de bojo com arranque inferior de asa de secção circular de uma ânfora Dressel 20 com a pasta bege granulosa típica do baixo Guadalquivir, pequeno conjunto de material que condiz com aquele que foi encontrado no próprio piso anteriormente descrito.

Fig. 6. Materiais recolhidos nas unidades estratigráficas [767], [768], [783], e [796].

 

O enchimento da vala de fundação [787] da parede [770] que encosta à parede nordeste da oficina 2, [782] e [783], apresentou um fragmento de Dragendor. 27 em terra sigillata sudgálica de características antigas (Polak, 2000, pp. 118-121), um fragmento de asa de ânfora Haltern 70 do Guadalquivir e quatro bordos de ânfora Dressel 14, variante A, de fabrico regional (nºs 13 e 14, Fig. 6); um fragmento de operculum de fabrico regional (nº 15, Fig. 6); uma tigela de fabrico regional (nº 16, Fig. 6) que se enquadra na forma III-C-1 da cerâmica comum das villae romanas de São Cucufate (Pinto, 2003, p. 221); dois fragmentos de bordo de panelas igualmente de fabrico regional (nºs 17 e 18, Fig. 6), a segunda das quais equivalente à forma VIII-C-1 da mesma tipologia (Pinto, 2003, p. 376); e um fragmento de tampa de bordo simples e outro de fundo, também estes de fabrico regional.

Sob o piso correspondente à primeira fase de construção/utilização da oficina foi identificada uma unidade de areias de duna amarelada ([794] = [795] = [811]), praticamente estéril de materiais.

Após esta u.e. aprofundou-se um pouco mais a escavação do lado sudeste da escada [699], e foi identificada uma u.e. arenosa esbranquiçada que corresponde ao substrato arenoso original na época romana, u.e. [813].

No seu conjunto, as referidas unidades estratigráficas associadas à parede adossada à parede nordeste da oficina 2 apresentam um conjunto de materiais relativamente homogéneo que associa terra sigillata itálica e um fragmento de terra sigillata sudgálica com um vidro polícromo itálico, ânforas vinárias Dressel 2-4 importadas da Campânia e da Bética, uma ânfora Haltern 70 e ânforas regionais de tipo muito antigo. A terra sigillata itálica indica uma cronologia de Augusto-Tibério (Conspectus 1990, pp. 90 e 96), e o fragmento de terra sigillata sudgálica, provavelmente de um momento inicial do período de Tibério devido à finura da sua parede, sugere uma data não anterior a esse período, datação esta que é confortada pelas ânforas regionais pouco canónicas, embora a maioria enquadrável na variante A da forma Dressel 14, que aparecem em Abul na época augusto-tiberiana (Mayet e Silva, 2002, pp. 30-31, 49-50) e ocorrem igualmente na olaria da Rua da Misericórdia, em Setúbal, datada do segundo quartel do século I, aí consideradas Dressel 14 com afinidades às ânforas Dressel 7-11 (Silva, 1996, pp. 47-48). De notar que ânforas lusitanas com afinidades às ânforas Haltern 70 aparecem já no Castelo da Lousa em época augustana (Morais, 2010, pp. 190-191, 216-217).

Estes contextos datáveis do período de Tibério, com um significativo conjunto de materiais augusto-tiberianos, revelam que a construção da oficina 2, e por conseguinte, da grande fábrica de salga a que pertence, não é posterior a esse período dando maior consistência à ligação da fundação do complexo de preparados piscícolas de Tróia ao Cornelius Bocchus aí homenageado.

Noutra perspectiva, a comprovação da produção de salgas de peixe em Tróia neste período ilustra a produção de salgas mais antiga no estuário do Sado, justificando a produção de ânforas na outra margem do rio nessa época.

UM GRANDE CENTRO DE PRODUÇÃO

A monografia publicada em 1994 por R. Étienne, Y. Makaroun e F. Mayet teve o imenso mérito de pela primeira vez dar a conhecer o centro de produção de preparados de peixe de Tróia e colocá-lo, desde logo, entre os maiores do mundo romano. O estudo das oficinas 1 e 2 (usines I et II) permitiu ainda compreender as principais fases de ocupação deste sítio e o processo de segmentação das oficinas em unidades de produção mais pequenas verificado no século III. A caracterização da oficina 3 (usine III), bem menor do que as anteriores, mostrou a única oficina completa até à data conhecida em Tróia e a variabilidade no tamanho das oficinas deste centro de produção.

Tal como é referido nessa monografia, outras oficinas estavam à vista, algumas devido a trabalhos de escavação, outras postas a descoberto pelas marés que na praia-mar alcançam as estruturas arqueológicas na orla do estuário do Sado.

Em 2007, por ocasião de um enchimento de praia no extremo nordeste da península para protecção das estruturas arqueológicas, procedeu-se à numeração das oficinas que iriam ser cobertas, em parte ou totalmente, por esse enchimento de praia, incluindo-se nessa sequência a grande oficina parcialmente escavada, mas não publicada, perto da necrópole das sepulturas de mesa, que recebeu a designação de oficina 4. As oficinas afectadas pelo referido enchimento de praia foram numeradas de 5 a 10 e deu-se o número 11 a uma oficina com cetárias pequenas, aparentemente tardia, situada num ponto alto da vertente sobre a praia, a nordeste do mausoléu e da necrópole situada nas suas traseiras (Silveira et al., no prelo). Devido ao curto espaço de tempo que decorreu entre a decisão de efectuar o enchimento e o seu início, recorreu-se ao levantamento topográfico feito por técnicos do IPPAR, e procedeu-se à descrição das estruturas e levantamento fotográfico.

Durante o levantamento realizado, perante a sequência de tanques de salga bastante destruídos que se viam na orla do estuário, e a dificuldade em distinguir as diferentes fábricas de salga a que pertenceriam, optou-se por definir as unidades de produção, ou seja, os compartimentos com tanques e pátio, a que se chamou “oficinas” na sequência da terminologia aplicada às unidades de produção de salga de peixe de Sines (Silva, Coelho-Soares e Soares, 2006).

No mesmo ano de 2007 foi necessário realizar uma sondagem preventiva nas traseiras de uma fábrica de salga situada na praia na zona do Recanto do Verde (ou Canto Verde), a noroeste das Instalações Navais de Tróia (Fuzileiros) e posteriormente foi possível empreender uma acção de levantamento arqueológico dessa fábrica já meio destruída pelas marés. Nessa fábrica foram identificadas duas oficinas de salga que receberam a designação de oficinas 12 e 13 (Pinto, Magalhães e Cabedal, no prelo).

Na orla do estuário, entre a zona residencial da Rua da Princesa e o Recanto do Verde, foram identificadas com segurança outras 11 oficinas, algumas delas muito destruídas, que foram numeradas a partir de noroeste e receberam a designação de oficinas 14-24. Imediatamente a sudeste das Instalações Navais de Tróia (Fuzileiros) existe um núcleo de ruínas romanas com uma oficina de salga que foi designada por oficina 25.

A localização das 25 oficinas de salga identificadas na península de Tróia é apresentada na Fig. 7. No presente texto descrevem-se sumariamente estas oficinas, apresentando-se as respectivas plantas esquemáticas feitas com base no levantamento topográfico das ruínas realizado pelo IPPAR em 20061 (Figs. 8-12) e uma tabela com as dimensões e capacidade de produção de cada uma (Fig. 13).

A numeração das oficinas refere-se sempre à sua planta original, mas as plantas incluem as remodelações posteriores. Nas estampas das Figs. 8-11, o cinzento escuro ilustra as actuais estruturas das oficinas, o cinzento claro representa as estruturas adossadas ou sobrepostas à planta da oficina (ex: oficinas contíguas ou a basílica, no caso da oficina 6) e o tracejado é a reconstituição hipotética da oficina.

Fig. 7. Localização das oficinas de salga na península de Tróia (www.earth.google.com).

.

1 As plantas esquemáticas das oficinas 1, 2 e 3 baseiam-se nas plantas originais da monografia de R. Étienne, Y. Makaroun e F. Mayet (1994). No âmbito de um protocolo com a Universidade de Coimbra, em 2007 José Luís Madeira fez a planta esquemática das oficinas 12 e 13, e em 2008 actualizou a planta da oficina 2 e desenhou a planta da oficina 15.

Fig. 8. Plantas esquemáticas das oficinas 1 a 5.

Fig. 9. Plantas esquemáticas das oficinas 6 a 10.

Fig. 10. Plantas esquemáticas das oficinas 11 a 16.

Fig. 11. Plantas esquemáticas das oficinas 17 a 22.

Fig. 12. Plantas esquemáticas das oficinas 23 a 25.

Fig. 13. Dimensões, número de cetárias e capacidade de produção das oficinas de salga de Tróia.

Oficina 1 (Figs. 8 e 14)

A oficina 1 era um grande compartimento com tanques dispostos à volta de um pátio com um poço. Tal como acima referido, foi estudada e publicada por R. Étienne, Y. Makaroun e F. Mayet (1994, pp. 69-76) que registaram as dimensões que figuram na tabela da Fig. 13. Embora a sua escavação não tenha sido concluída, a possibilidade de medir o seu comprimento e largura nos lados noroeste e sudoeste permitiu estimar com razoável certeza a sua área total. Trabalhos recentes de desafogamento das areias que punham em risco a estabilidade do poço puseram à vista, no lado sudeste, o topo de paredes tardias que parecem seguir o traçado de cetárias, dando força à hipótese de que a oficina tinha tanques ao longo das suas quatro paredes, e tornando pertinente a estimativa de um volume de produção original, no Alto Império, de cerca de 700 m3 (Étienne, Makaroun e Mayet, 1994, p. 76).

Os novos dados cronológicos apresentados na primeira parte deste estudo mostram que esta oficina, sendo solidária com a oficina 2, data pelo menos da época de Tibério. No século III, a oficina foi segmentada em pelo menos três unidades de produção mais pequenas, as oficinas 1A, 1B e 1C, com capacidades de produção, respectivamente, de 168,21 m3, 157, 559 m3 e indeterminada (por não estar totalmente escavada) (Étienne, Makaroun, Mayet, 1994, pp. 83-88).

A oficina sofreu ainda outra remodelação, provavelmente no início do século IV, que implicou a construção de uma viela entre as unidades 1A e 1B que dava acesso ao pátio central  onde se situava o poço. Enquanto a oficina 1C parece não ter sofrido qualquer alteração, a oficina 1A terá tido algumas das suas cetárias segmentadas em tanques mais pequenos, vendo a sua capacidade de produção reduzida para 154,15 m3. Nesta fase, as cetárias da oficina 1B terão sido incorporadas na oficina 2A situada a nordeste (Étienne, Makaroun, Mayet, 1994, pp. 88-90).

De acordo com os materiais recolhidos nos níveis de lixeira e abandono que se acumularam dentro dos tanques e sobre o pátio, o término da produção terá ocorrido no final do primeiro terço do século V (Pinto, Magalhães, Brum, no prelo).

Fig. 14. Aspecto da fiada noroeste da oficina 1 (cetárias 8-14, vista para sudoeste).

Fig. 15. Aspecto da parte sudeste da oficina 2 (cetárias 1-10, vista para sudoeste).

Oficina 2 (Figs. 8 e 15)

A oficina 2, pertencente à mesma fábrica de salga que a oficina 1, à qual estava ligada por um corredor com dois degraus, era também um compartimento rectangular com tanques dispostos à volta de um pátio central e trabalhos recentes comprovaram que tinha cetárias ao longo das quatro paredes, sugerindo que é esse o modelo das grandes oficinas de Tróia. A data da sua construção será semelhante à da oficina 1, ou seja, não anterior à época de Tibério.

A limpeza, escavação pontual e estudo da oficina 2 levados a cabo em 2007 sugeriram que a segmentação das cetárias desta oficina é original, o que permite calcular que no Alto Império as cetárias escavadas preservadas na íntegra (1-6 e 9-11) tinham um volume de 65,62 m3. Se atribuirmos às cetárias não escavadas ou incompletas (7-8 e 12-19) uma profundidade média de 1,24 m, obtém-se um volume de produção estimado de 142,25 m3.

Fig. 16. Aspecto da oficina 3 (vista para norte).

Fig. 17. Aspecto da oficina 4 (cetárias 3 e 4 com fornos tardios, vista para sudoeste).

Oficina 3 (Figs. 8 e 16)

A oficina 3 foi descrita e publicada por R. Étienne, Y. Makaroun e F. Mayet que registaram as dimensões indicadas na tabela da Fig. 13 (1994, pp. 93-96). Trata-se de uma oficina bastante pequena quando comparada com as oficinas 1 e 2, mas que perfazia 103,10 m3 de volume de produção.

A planta desta oficina segue um modelo diferente, em U, com cetárias em apenas três dos seus lados, mas igualmente à volta de um pátio. As cetárias têm volumes entre 7,46 e 15,17 m3 e a sua profundidade varia entre 1,75 m e 1,95 m.

Oficina 4 (Figs. 8 e 17)

A oficina 4 é uma grande oficina cuja parte sudoeste foi parcialmente escavada nos anos 70 do século XX e objecto de uma sondagem em 2005 mas que nunca foi publicada. As grandes dimensões dos seus tanques e os múltiplos sinais de remodelação sugerem que data do Alto Império e que no Baixo Império foi segmentada (paredes tardias entre as cetárias 2 e 3, sobre a parede nordeste da cetária 4 e sobre a parede sudoeste da cetária 5) e viu o seu pátio invadido por um pequeno edifício com um lance de escadas, certamente de acesso a um primeiro andar. Depois de abandonada a produção de salgas, foram construídos dois fornos dentro das cetárias 3 e 4. Pela largueza do pátio, tinha certamente uma planta rectangular com cetárias ao longo das quatro paredes.

Actualmente apenas são visíveis cinco cetárias, quatro da fiada noroeste e uma da fiada sudeste, mas a base de um pilar a sudoeste, que devia sustentar o telhado sobre os tanques da fiada sudoeste, sugere que esta fiada se estendia desde a cetária 1 até outra cetária no canto sul alinhada com a cetária 5 e separada desta por outra cetária que também não está à vista. Assim, a fiada sudoeste teria pelo menos seis cetárias (incluindo a cetária 1), talvez sete, a fiada noroeste teria pelo menos as cetárias 1 a 4 e uma a nordeste da cetária 4, e a fiada sudeste teria também, pelo menos, outras três (incluindo a cetária 5), provavelmente cinco ou seis como a fiada noroeste. A fiada nordeste, onde se devia situar a entrada principal, teria um mínimo de quatro cetárias, perfazendo no mínimo dezassete cetárias. No entanto, é provável que as fiadas noroeste e sudeste se prolongassem para nordeste.

No que respeita à capacidade de produção, as três cetárias que estão suficientemente escavadas para que o seu volume seja medido têm 29,61 m3 (cetária 5) e 35,18 m3 (cetárias 2 e 4), num total de 99,97 m3. Se se calcular um volume médio e mínimo de 30 m3 para as 17 cetárias, obtém-se um valor mínimo estimado de 510 m3.

Num último momento de utilização, as cetárias 3 e 4, já parcialmente entulhadas, abrigaram fornos de adobe e uma mó, talvez para o fabrico de pão, e nesse ou noutro momento a parede noroeste da oficina foi reforçada com contrafortes que obstruíram parcialmente a viela imediatamente a noroeste. Não se conhece a data das remodelações e reutilização do espaço, nem a data do término da produção de salgas na oficina.

Oficina 5 (Figs. 8 e 18)

A oficina 5 é composta por duas fiadas de cetárias dispostas em L ao longo de dois lados de um pátio, mas falta-lhe certamente uma cetária a sudoeste das cetárias 8 e 9 e a fiada sudoeste.

Esta parte da oficina terá sido destruída por ocasião da construção, na primeira metade do século XX, da grande casa a sul conhecida como Palácio Sottomayor. A oficina é hoje delimitada a sudoeste pelo muro da envolvente dessa casa. Presume-se que originalmente tivesse uma planta em U, com cetárias dispostas em três lados, à volta de um pátio estreito e alongado.

Numa primeira fase, as cetárias conservadas teriam um volume total de 183,29 m3, destacando-se uma desproporcionadamente grande, a cetária 7, com m 45,70 m3 de volume, enquanto as outras não ultrapassam os 25 m3. Se a oficina tivesse outra cetária igual à cetária 6, com 24,89 m3, e uma fiada sudoeste semelhante à fiada nordeste, com 50,84 m3 de volume, a capacidade da oficina seria de 259,01 m3. O único vestígio de remodelação nesta oficina é a segmentação da cetária 5, cujo volume inicial foi reduzido de 24,11 m3 para 15,11 m3 distribuídos por três tanques mais pequenos (5a, 5b e 5c).

Não se conhece a data da sua construção nem dados sobre a sua escavação, certamente levada a cabo por iniciativa de D. Fernando de Almeida no final dos anos 60 ou no início da década de 70 do século XX.

Fig. 18. Aspecto da oficina 5 (vista para nordeste).

Fig. 19. Aspecto da parte central da oficina 6 (cetárias 4-6, vista para noroeste).

Oficina 6 (Figs. 9 e 19)

Só a parte nordeste da oficina 6 está à vista, estando a sua parte sudoeste sobreposta pelo edifício identificado como basílica paleocristã. No entanto, dentro da basílica, delineados nas áreas onde o pavimento abateu, são visíveis os contornos ou vestígios das cetárias reconstituídas a tracejado na planta esquemática.

Constata-se que a oficina 6, apesar de ser relativamente grande, tinha cetárias dispostas apenas ao longo de três paredes, com a particularidade de as suas fiadas laterais abrirem levemente em V. Esta disposição explicar-se-á pela necessidade de articulação do edifício com a viela a sudeste para a qual tinha saída, com a provável rua a noroeste e com os edifícios a sudoeste. Dada a forma irregular da oficina e a sobreposição da basílica, o cálculo da sua área (462 m2) é aproximado.

As suas cetárias são grandes, com uma profundidade entre 2,07 e 2,22 m, e as cinco cetárias que foi possível medir, entre as quais se destaca a maior cetária conhecida em Tróia (a cetária 1 com um volume de 57,06 m3), tinham um volume de 177,93 m3. Se considerarmos que as outras seis cetárias teriam um volume médio de 29 m3 (as cetárias 3 a 6 têm entre 29,53 e 31,90 m3), a capacidade de produção estimada da o>cina seria de 351,93 m3. Num segundo momento, a cetária 4 foi segmentada em quatro tanques mais pequenos reduzindo-se a sua capacidade de 31,90 m3 para 24,09 m3 no total dos quatro.

A oficina 6 foi dividida em unidades mais pequenas num segundo momento. Uma parede foi construída sobre a parede que divide as cetárias 3 e 4, e outra sobre a parede entre as cetárias 5 e 6, formando-se um novo compartimento a nascente da cetária 5, mas não se conhece o momento das suas várias remodelações. É provável que sejam contemporâneas da segmentação das oficinas 1 e 2 no século III, mas nada o prova. No entanto, pela dimensão das suas cetárias e vestígios de segmentação, é razoável supor que a oficina tenha sido construída no Alto Império.

A escavação de um enchimento no fundo da cetária 3, por ocasião do enchimento de praia de 2007, mostrou que essa cetária não terá laborado para além do século IV (Silveira et al., no prelo), contrastando com o abandono das cetárias das oficinas 1 e 2 no final do primeiro terço do século V.

Na parte sudoeste da oficina instalou-se uma necrópole, provavelmente no decurso do  século IV, que no final desse século terá sido sobreposta pela basílica paleocristã.

Fig, 20. Aspecto da oficina 7 (vista para sul).

Fig, 21. Aspecto da oficina 8 (cetárias 1 e 2, vista para sudoeste).

Oficina 7 (Figs. 9 e 20)

Antes do enchimento de praia, da oficina 7 era visível uma fiada de cetárias muito destruídas, embora com as paredes sul conservadas, e uns compartimentos a sul destas resultantes de uma remodelação tardia. As bases de quatro pilares sobre a parede sul, pilares esses que serviriam para sustentar a cobertura das cetárias, indicam que o pátio se situava a sul e que as restantes fiadas de cetárias estarão ainda sob a duna que existe nessa área. É provável que a entrada se situasse na viela a oeste, que separa esta oficina da oficina 6, e que esta oficina tivesse as cetárias dispostas em U.

É muito provável que houvesse, a sul, uma fiada paralela e semelhante à que se conhece a norte, e que a fiada que ligava as duas se situasse a nascente, orientada no sentido norte-sul. Se esta fiada tivesse apenas três cetárias, a oficina teria dezassete cetárias.

Não foi possível medir o volume de nenhuma cetária, pois embora se conheça a largura destas, variável entre 1,96 m e 3,60 m, não se conhece o seu comprimento. A parede de cetária norte-sul mais bem conservada tem 2,90 m e está incompleta, o que indica que as cetárias visíveis tinham pelo menos 3 m de comprimento. As duas cetárias em que foi possível medir a profundidade têm 1,93 e 1,95 m. Se as outras tivessem 1,90 m de profundidade e 3 m de comprimento, as oito cetárias da fiada norte teriam um volume estimado de 115,52 m3. Se houvesse outra fiada igual e outra cetária na fiada nascente com cerca de 15 m3, pode-se estimar que a oficina tivesse uma capacidade de produção de 235 m3.

Além da remodelação visível que terá subdividido a área do pátio, há sinais de significativas alterações na cetária 8, a nascente. Além desta cetária estar entre paredes-mestras, o seu pavimento está acima do nível dos outros, tem um pequeno tanque construído no canto sudoeste e uma entrada aberta na parede sul.

Não existem dados que permitam datar a construção, remodelação ou abandono da oficina, mas a sua articulação com a mesma viela que a oficina 6 e os vestígios de remodelação permitem  pensar que tenha sido construída no Alto Império, tendo laborado igualmente no Baixo Império.

Oficina 8 (Figs. 9 e 21)

A parte visível da oficina 8 foi completamente coberta de areia pelo enchimento de praia realizado em 2007 e outra parte estará ainda sob a duna a sul. Antes do enchimento foi possível constatar que estava muito destruída e a sua organização espacial deixa grandes dúvidas. A planta esquemática, feita a partir do levantamento topográfico muito incompleto e das observações feitas em 2007, tenta reconstituir parte da oficina.

O que se pode afirmar é que era uma oficina com cerca de 21,50 m de comprimento noroeste-sudeste e com uma fiada de cetárias nesse sentido com três pares de cetárias geminadas de origem.

O espaço entre as cetárias 5-6 e 7 seria uma entrada. A cetária 8, da qual só resta a parede sudoeste, desenvolvia-se para nordeste da fiada constituída pelas cetárias 1, 3, 5 e 7, devendo ser parte da fiada orientada no sentido nordeste-sudoeste.

Só foi possível medir a cetária 2 com 15,97 m3 de volume e outra pequena, a 7, com 3,16 m3, o que perfaz uma capacidade de produção mínima de 19,13 m3. A incerteza quanto ao traçado da oficina desaconselha a estimativa da capacidade de produção.

Fig, 22. Aspecto da oficina 9 (cetárias 1 e 3 e área do pátio, vista para sudoeste).

Fig, 23. Aspecto da oficina 10 (vista para sul).

Oficina 9 (Figs. 9 e 22)

Também a oficina 9 ficou coberta pelo enchimento de praia de 2007. A descrição então feita registou que tinha cerca de 12,75 m no sentido este-oeste, e cetárias com paredes que não excedem os 1,55 m de profundidade, o que indica serem das mais pequenas de Tróia. Eram visíveis três cetárias e a área do pátio. A fiada que tem as cetárias 1 e 2 tem uma parede mestra a sudoeste que parece ser o limite sudoeste da oficina, o que significa que esta se desenvolveria para nordeste.

Dada a reduzida dimensão das cetárias e a largura relativamente estreita do pátio, seria talvez uma oficina com cetárias dispostas em U, ao longo de três paredes, com um pátio estreito e comprido no sentido sudoeste–nordeste. Outra particularidade desta oficina, além da sua pequena dimensão, é a pouca largura da sua fiada noroeste-sudeste, mas a falta de visibilidade do conjunto pode ser enganadora.

Apenas foi possível calcular a capacidade de produção da cetária 1, com 2,70 m por 1,85 m de lado e 1,55 m de profundidade, o que significa um volume de 7,74 m3. Dada a configuração atípica desta oficina, não é seguro fazer uma estimativa quanto à sua capacidade de produção original.

Oficina 10 (Figs. 9 e 23)

A oficina 10 estava muito destruída pelas marés mas conserva ainda uma boa parte das suas estruturas, escondidas pela duna de areia a sudoeste. Em 2007, ficou totalmente coberta de areia pelo enchimento de praia. Eram visíveis sete cetárias dispostas em L, duas delas geminadas, e que formam uma fiada noroeste-sudeste e parte de outra fiada no sentido nordeste-sudoeste perpendicular à primeira. É nítido que a oficina se desenvolveria para sudoeste. Era delimitada por uma parede mestra a noroeste, que corria ao longo de uma viela, e por outra a sudeste, sendo possível medir o seu comprimento (ou largura) completo, que é de cerca de 16,70 m. Tudo indica que se trata de mais uma oficina de planta rectangular, com cetárias dispostas ao longo das paredes, mas não é possível depreender se teria três ou quatro fiadas de tanques.

Não é possível calcular o volume exacto das cetárias, pois nenhuma conservou todas as medidas originais, mas foi possível registar que podiam atingir 3,80 m de lado e 2,20 m de profundidade, o que significa cetárias de grandes dimensões. No entanto, conhecendo o comprimento nordeste-sudoeste da cetária 5 (3,80 m), conhece-se a largura da fiada, e é possível estimar a capacidade aproximada da cetária 1, com 2,20 m de profundidade, e das cetárias 5, 6 e 7 considerando que a sua profundidade seria de 1,90 m (próximo da profundidade da cetária 3 que era de 1,94 m). No total, estas quatro cetárias teriam volumes respectivamente de 31,77 m3, 21,80 m3, 20,94 m3 e 14,15 m3.

Se a cetária 4 tivesse uma profundidade igual à da 3, teria um volume de 5,45 m3. Considerando que a cetária 3 era semelhante à 4, as cetárias teriam um volume estimado de 99,56 m3, valor correspondente a uma só fiada de cetárias quando a oficina teria pelo menos três.

Oficina 11 (Figs. 10 e 24)

A oficina 11 seria uma pequena unidade de produção tardia pois situa-se num ponto muito acima da cota das oficinas 1 e 2, e sobre uma grande duna que se acumulou contra a parede traseira do mausoléu, o que significa que não é anterior ao século III, data em que esse edifício foi construído, e provavelmente ao século IV, dado o tempo necessário para a formação da duna.

Devido à sua situação actual numa vertente inclinada, a maior parte da oficina já se terá desmoronado e não é possível depreender a forma da sua planta original. Sobressai, no entanto, a pequenez das suas cetárias. Actualmente apenas são visíveis três, cuja profundidade não ultrapassa 1,25 m, tendo a maior 1,98 m por 1,15 m de lado, com uma altura de 1,14 m. No seu conjunto têm um volume de apenas 7,11 m3. No entanto, as dimensões das construções actualmente visíveis, na tabela da Fig. 13, poderão estar bastante aquém das originais.

Fig. 24. Aspecto da oficina 11 (vista para oeste).

Fig, 25. Aspecto da oficina 12 (cetárias 1-10, vista para sudoeste).

Oficina 12 (Figs. 10 e 25)

A oficina 12, situada na praia e totalmente alagada nas marés vivas, conserva apenas uma fiada completa de cetárias, e vestígios de três cetárias das fiadas perpendiculares a esta. O seu comprimento (ou largura) é de 34,15 m e o comprimento (ou largura) do pátio é de 28,5 m. Esta oficina estava geminada com a oficina 13 e pertenceriam ambas à mesma fábrica de salga. Uma sondagem realizada nas traseiras da oficina em 2007 revelou que a entrada entre as cetárias 10 e 11 levava a uma área murada mas sem cobertura que seria um quintal com área de cultivo, eventualmente também uma área de armazenagem (Pinto, Magalhães e Cabedal, no prelo).

O levantamento arqueológico desta oficina, realizado em 2007 (Pinto, Magalhães e Cabedal, no prelo), permitiu escavar a cetária 3 e registar que media 4,12 m por 3,84 m de lado, com 2,20 m de profundidade, perfazendo essa cetária 34,8 m3 de capacidade. Multiplicando a profundidade de 2,20 m pelo comprimento e largura das outras dez cetárias com o traçado conservado, obtém-se um volume global de 276,83 m3 que corresponde apenas ao valor estimado de uma fiada de cetárias.

Pela sua configuração, supomos que a oficina fosse do mesmo tipo que as oficinas 1 e 2 com cetárias dispostas ao longo das quatro paredes e um pátio grande e largo em proporção à área total da oficina.

Os trabalhos arqueológicos realizados nesta área revelaram que esta oficina não tem qualquer sinal de remodelação e apenas laborou no Alto Império, tendo ficado abandonada após esse período.

Fig. 26. Aspecto da oficina 12 (cetárias 10-12) e da oficina 13 (vista para noroeste).

Fig. 27. Aspecto da oficina 14 (vista para sudoeste).

Oficina 13 (Figs. 10 e 26)

A oficina 13, geminada com a oficina 12, está muito pior conservada do que a anterior.

Apenas se conserva a base das paredes e algum fragmento de pavimento, mas é possível delinear sete cetárias, alinhadas com as cetárias 3-11 da oficina 12, o que permite reconstituir o seu limite sudoeste. O comprimento noroeste-sudeste das cetárias varia entre 3 m e 3,97 m, o que aponta para uma oficina semelhante à 12. No entanto, o seu estado de destruição desencoraja qualquer estimativa.

Articulando-se com a oficina 13 e estando situada numa área onde não há vestígios de ocupação do Baixo Império, trata-se sem dúvida de uma oficina do Alto Império.

Oficina 14 (Figs. 10 e 27)

A oficina 14 situa-se, tal como a oficina 11, a meio da vertente inclinada de uma duna, sendo certo que a maior parte da oficina já se terá desmoronado, e não é possível depreender o traçado original da sua planta. A sua situação a uma cota muito alta e as dimensões relativamente pequenas das cetárias, comparáveis às da oficina 11, sugerem que seja uma oficina do Baixo Império. As duas cetárias que sobreviveram ao desmoronamento da duna têm apenas preservada a largura completa de um lado, que é 1,27 m no caso da cetária 1 e 1,80 m no caso da cetária 2.

Fig. 28. Aspecto da oficina 15  (cetárias 1a e 1b, vista para sudoeste).

Fig. 29. Aspecto da oficina 16 (vista para sudoeste).

Oficina 15 (Figs. 10 e 28)

A oficina 15 seria bastante comprida, com, pelo menos, 22,50 m de comprimento, mas relativamente estreita, com cerca de 10,9 m de largura. O seu pátio, com 1,90 m de largura, seria muito estreito, em forma de corredor.

Conserva-se essencialmente parte da fiada noroeste de cetárias, tendo a fiada sudeste desaparecido quase totalmente. As cetárias mais a nordeste da fiada noroeste foram totalmente destruídas pelas marés, mas as cetárias mais a sudeste parecem estar conservadas no interior da duna. As duas pequenas que estão visíveis (1a e 1b) são fruto da subdivisão de uma cetária maior que tinha 3,40 m de lado. Ainda é visível, em corte, o nível do pavimento do pátio. Não é possível calcular o volume total de nenhuma das cetárias, nem estimá-lo com razoável probabilidade.

Não há dados sobre a data da sua construção mas a solidez das paredes, os sinais de remodelação e a cota baixa a que se encontra sugerem que tenha sido construída no Alto Império.

Oficina 16 (Figs. 10 e 29)

A oficina 16 situa-se a uma cota elevada, na vertente de uma duna em erosão, e já se desmoronou em parte. Apenas é visível a parede de uma cetária de pequenas dimensões e uma parede mestra 4,80 m a sudoeste, que poderá ser a parede que delimita a oficina a sudoeste. No entanto, não é possível depreender a disposição da oficina no seu todo.

Dado o reduzido tamanho da sua cetária, cuja única parede preservada tem apenas 0,90 m de lado, e a cota alta a que se encontra relativamente à oficina 15, muito próxima, depreende-se que seja uma oficina tardia, certamente do Baixo Império.

Oficina 17 (Figs. 11 e 30)

Situada na praia, ao alcance das marés, a oficina 17 está muito destruída e a sua parte melhor conservada está coberta de areia e vegetação. São visíveis, no entanto, duas fiadas de cetárias, com vestígios de seis tanques, separadas por um espaço onde, a um nível superior, se situaria o pátio.

A planta e as proporções do que é visível da oficina sugerem um pátio estreito e alongado, em forma de corredor, ao estilo da oficina 15. A largura da oficina é de 12 m e a largura do pátio de 3,40 m.

As cetárias situadas na praia, já muito destruídas, estão actualmente cobertas por uma espessa camada de areia, só tendo sido possível medir a cetária 1, que tem precisamente 3,63 m por 3,20 m de lado e 1,20 m de altura incompleta. No entanto, o levantamento topográfico do IPPAR mostra as dimensões das cetárias 2, 4 e 5. Trata-se, sem dúvida, de cetárias de grandes dimensões, mas não é possível estimar a sua capacidade de produção, apenas parte do volume da cetária 1.

Fig. 30. Aspecto da oficina 17 (vista para sudoeste).

Fig. 31. Aspecto da oficina 18 (vista para sul).

Oficina 18 (Figs. 11 e 31)

Situada em grande parte na praia, na zona intertidal, só são visíveis duas cetárias da oficina 18, uma muito destruída, de grandes dimensões (cetária 1 com 3,72 m por 4,16 m de lado), e outra coberta de areia e vegetação (cetária 2). A altura incompleta das paredes da cetária 1, 0,90 m, permite calcular o seu volume mínimo, que é 13,92 m3. No entanto, é provável que tivesse pelo menos 2 m de profundidade.

Não foi possível compreender a disposição original da oficina 18, nem sequer de que lado estaria o pátio e a fiada de cetárias oposta.

Oficina 19 (Figs. 11 e 32)

A oficina 19 tem duas cetárias visíveis, separadas por um espaço com 2 m de largura onde, a uma cota superior, se situaria o pátio. É nítido que estas duas cetárias pertenciam a duas fiadas distintas e paralelas, alinhadas no sentido nordeste-sudoeste, que têm continuidade sob a duna a sudoeste. Parece tratar-se de mais uma oficina com o pátio estreito e alongado, em forma de corredor.

Nenhuma das cetárias conserva as dimensões originais mas são grandes cetárias das quais se pode calcular a capacidade mínima. A cetária 1 media 3,80 m de comprimento por 1,70 m de largura incompleta e 1,20 m de profundidade também incompleta, o que resulta num volume mínimo de 7,75 m3. A cetária 2 tinha 3,45 m de comprimento por 3,10 m de largura e 1 m de altura incompleta, o que permite e calcular um volume mínimo de 10,70 m3. Dada a pouca visibilidade desta oficina, não é possível estimar a sua capacidade de produção original.

É nítido que a sudoeste da cetária 2 foi feita uma construção mais tardia, a uma cota superior à do topo da parede. A dimensão relativamente grande dos tanques, a cota baixa a que se encontra e o facto de apresentar estruturas de diferentes fases construtivas sugerem que a oficina seja do Alto Império.

Fig. 32. Aspecto da oficina 19 (cetária 2, vista para oeste).

Fig. 33. Aspecto da oficina 20 (cetárias 1-2, vista para oeste).

Oficina 20 (Figs. 11 e 33)

A oficina 20 é muito difícil de compreender pelo aspecto atípico das suas estruturas, que decorre de vários momentos de construção e remodelação, e do avançado grau de destruição. São nítidos os restos de duas cetárias que seriam parte de uma fiada orientada no sentido noroeste-sudeste.

A cetária 1 tem a parede sudoeste conservada até ao topo, e o revestimento dessa parede cobre o topo da parede e prolonga-se na horizontal para sudoeste formando um pavimento que cobre uma zona entulhada com pedras pequenas, configuração esta atípica, pois é o único exemplo de um pátio feito sobre um entulhamento e cujo pavimento está ao nível do topo da parede das cetárias.

É possível que seja fruto de uma remodelação mais tardia do espaço da oficina e não o pátio original. Sobre este pavimento assenta uma parede mais tardia. Este pavimento e o entulhamento subjacente estão adossados a uma estrutura pré-existente a sudoeste, com um canto arredondado e de interpretação difícil.

A sudoeste há um troço de parede paralelo à parede sudoeste da cetária 1 que pode delinear a parede nordeste de outra fiada de cetárias. Com efeito, a sudeste das cetárias 1 e 2 há um grande número de fragmentos de parede e pavimento de cetárias fora da sua posição original e são visíveis paredes de cetária in situ, na vertente da duna, que poderiam formar a fiada sudeste da oficina.

Na planta da Fig. 14 propõe-se, a tracejado, esta possível fiada. Esta oficina parece ser outra com o pátio em forma de corredor, mas dado o grau de destruição e a dificuldade de leitura é preferível não tirar conclusões sobre a sua organização espacial.

As cetárias parecem ser relativamente grandes tendo em conta que a cetária 1 tem 4,20 m por 2,50 m de lado mas a sua profundidade é apenas de 1,47 m. Esta cetária está subdividida por uma parede com 0,42 m de largura, revestida com opus signinum dos dois lados (perfazendo 0,50 m de espessura) que assenta sobre o seu pavimento e meia-cana. Note-se a utilização do opus signinum (com cerâmica triturada) muito pouco habitual nas oficinas de salga de Tróia e sem dúvida uma característica tardia.

Por conseguinte, o estado de destruição desta oficina apenas permite calcular o volume de uma cetária (15,44 m3), e não há dados seguros para estimar a sua capacidade original.

Fig. 34. Aspecto da oficina 21 (vista para sudoeste).

Fig. 35. Aspecto da oficina 22 (vista para sudoeste).

Oficina 21 (Figs. 11 e 34)

A oficina 21 tinha originalmente 19,40 m no sentido noroeste-sudeste mas não é possível saber se este era o seu lado mais comprido pois a parte nordeste da oficina está completamente destruída e desaparecida.

Adivinha-se com razoável certeza uma fiada de cetárias ao longo da parede sudoeste. O pilar que existia a noroeste da cetária 1 sustentava a cobertura dessa fiada de cetárias, que devia ser composta por seis cetárias. As únicas cetárias visíveis, a 1 e a 2, encostavam às cetárias dos cantos oeste e sul, e pertenciam a fiadas orientadas no sentido sudoeste-nordeste. Entre as cetárias 1 e 2 e a fiada sudoeste, actualmente escondida pela areia, subsistem partes do pavimento do pátio.

Numa segunda fase, a oficina foi subdividida em duas oficinas mais pequenas por uma ou duas paredes que assentaram no pavimento do pátio. As paredes da nova oficina 21A, a sudeste, mantêm a altura original. A parede sudoeste conserva os orifícios onde encaixavam as traves de madeira que sustentavam o telhado e a parede sudeste conserva uma janela-lucernário. Como estas paredes apenas circundam a oficina 21A, depreende-se que sejam da fase de segmentação das oficinas.

Na segunda fase, a oficina 21A, a sudeste, ficou com 10 m de comprimento e a 21B, a noroeste, com 9,40 m de comprimento.

Dada a largueza do pátio, esta oficina, na sua fase original, seria do tipo de oficina com o pátio grande e proporcionado, como as oficinas 1 e 2, e provavelmente teria cetárias dispostas ao longo das quatro paredes. As cetárias não são das mais profundas, com 1,50 m e 1,70 m de altura, mas a cetária 2, que conserva as dimensões originais, é relativamente grande, com 3,40 por 2,70 m de lado, e a cetária 1 seria um pouco maior com um comprimento mínimo de 3,80 m. No que respeita à sua capacidade de produção, apenas se conhece o volume incompleto das duas cetárias visíveis, 31,21 m3 no total. Mas calculando que a oficina tem pelo menos a fiada sudoeste com seis cetárias sob a areia e teria pelo menos mais uma cetária em cada fiada perpendicular, se cada uma dessas oito cetárias tivesse um volume de apenas 13 m3, pode-se estimar um volume de 135,21 m3. Na verdade, pensamos que a oficina tivesse também uma fiada nordeste de cetárias, não só porque há outras plantas desse tipo em Tróia, mas também porque há uma cetária toda fragmentada, já desligada do resto da oficina, no espaço equivalente a essa fiada.

Embora não se tenham recolhidos dados sobre a datação da oficina, supõe-se que seja do Alto Império, tendo sido segmentada e remodelada no Baixo Império.

Oficina 22 (Figs. 11 e 35)

Com 20,80 m de comprimento, a oficina 22 tem cetárias de grandes dimensões, três delas com mais de 4,50 m de lado (4,52 m, 4,53 m e 4,57 m) no sentido nordeste-sudoeste, e com uma profundidade entre 1,92 e 2,10 m. Conservam-se, no todo ou em parte, sete cetárias. A capacidade de produção das cetárias 2, 4 e 5 perfaz 96,18 m3. Estimando que as outras quatro visíveis tivessem uma média de 30 m3 cada, a oficina teria uma capacidade de produção mínima de 215 m3.

O traçado global da oficina não é muito óbvio. Dada a grande dimensão das cetárias, e o espaço necessário para a entrada a nordeste, é possível que não tivesse uma fiada noroeste-sudeste, e que tivesse as cetárias dispostas ao longo de apenas três lados do pátio, como a oficina 6, mas é uma suposição. Esta oficina não tem sinais de remodelação e não existem dados referentes à sua cronologia, mas a grande dimensão das suas cetárias, a sua situação a uma cota baixa e junto a outras oficinas com sinais de remodelação são fortes indicadores de que seja igualmente do Alto Império.

Oficina 23 (Figs. 12 e 36)

A oficina 23 era uma grande oficina com um poço no pátio que lembra a oficina 1. Tinha certamente cetárias ao longo das quatro paredes e um pátio largo. Actualmente está muito destruída pelas marés.

Conservam-se apenas parte de dez cetárias cujos lados medem entre 3,95 e 4,25 m, à excepção das cetárias geminadas 7 e 8 (com 1,70 m e 1,85 m por 3,95 m) e da grande cetária 1 com um comprimento maior que 6,35 m por 4,23 m, lembrando a cetária 1 da oficina 6. A única profundidade que foi possível medir com precisão foi a da cetária 2, com 2,12 m e um volume de 35,59 m3.

Se estimarmos que as outras cinco cetárias mensuráveis (1 e 5-7) tinham cerca de 2 m de profundidade, no seu conjunto teriam cerca de 160 m3 de capacidade, o que pode ser menos de um terço da capacidade real da oficina.

Embora não se tenham recolhido dados concretos, a oficina tem sinais de remodelação e pelas suas dimensões é certamente do Alto Império.

Oficina 24 (Figs. 12 e 37)

A oficina 24 encosta à oficina 23, partilhando ambas a parede mestra que as separa e lembrando a ligação entre as oficinas 1 e 2 e também 12 e 13. No entanto, dela resta apenas um canto, o que não permite grandes ilações. Restam vestígios de três cetárias, mas apenas se conserva a largura completa da cetária 2, que é 3,87 m.

Fig. 36. Aspecto do poço e canto norte da oficina 23 (vista para norte).

Fig. 37. Aspecto da oficina 24 (vista para sudoeste).

Oficina 25 (Figs. 12 e 38)

A oficina 25, a sudeste das Instalações Navais de Tróia (Fuzileiros), é a última oficina a sudeste da grande estação arqueológica de Tróia. Conserva apenas parte de uma cetária e parte de uma bacia de limpeza com revestimento semelhante ao da cetária. Tendo em conta que é visível a parede mestra a sudeste da cetária e que a bacia de limpeza se situa a noroeste desta, depreende-se uma fiada de cetárias no sentido sudoeste-nordeste e que o pátio se situava a noroeste desta. A cetária é de grandes dimensões, com 3,30 m de comprimento, 2,20 m de largura incompleta e 2,26 m de altura, o que perfaz um volume mínimo de 16,41 m3. Não é claro se outras estruturas visíveis na área (não representadas na planta) faziam parte da oficina ou da fábrica de salga em que esta se inseria.

Fig. 38. Aspecto da oficina 25 (vista para sudoeste).

ASPECTOS CONSTRUTIVOS DAS OFICINAS

No que respeita ao tipo de construção, pode-se dizer que, no geral, as oficinas de salga de Tróia foram construídas em profundidade no solo arenoso, exigindo a escavação de largas áreas. O nível de circulação nos pátios situava-se acima do fundo das cetárias e um pouco abaixo do topo das paredes destas, verificando-se desníveis que podem atingir 1,5 m.

O primeiro passo da construção foi cobrir a areia de base com uma camada de argila avermelhada, visível sob os pavimentos de várias oficinas muito degradadas. As paredes exteriores foram feitas em opus incertum, com blocos não aparelhados ou grosseiramente talhados, na maioria dos casos com ligante argiloso. As paredes internas das cetárias são geralmente feitas com pedras mais pequenas, por vezes num opus vittatum irregular feito com pequenos blocos de pedra talhados de forma pouco regular, e quase sempre ligados com argamassa de cal, e só excepcionalmente com ligante argiloso, como é o caso na oficina 2. As principais pedras utilizadas são o calcário

Note-se que todo o material de construção, seja pedra, argila, tijolos ou telhas, teve que ser trazido da outra margem, visto a península de Tróia ser uma formação geológica exclusivamente arenosa.

As cetárias têm uma forma quadrada ou rectangular. Nalgumas oficinas as fiadas de cetárias parecem formadas por módulos quadrados que ocasionalmente são divididos em dois tanques rectangulares geminados (bem visível nas oficinas 12 e 23, por exemplo). Noutras, todas as cetárias são rectangulares, como no caso das oficinas 3 e 5. Mesmo nas oficinas em que a forma das cetárias é tendencialmente quadrada, um dos lados é ligeiramente maior do que o outro, como nos casos das oficinas 1 e 22.

Na realidade, as medidas das cetárias da mesma oficina e da mesma fiada são raramente regulares, verificando-se uma variabilidade relativamente grande no volume das cetárias, o que sugere que a construção das oficinas não seguiu um projecto rigoroso.

Algumas oficinas têm uma cetária muito maior do que as restantes, como é o caso da cetária 7 da oficina 5 (5,37 m por 3,70 m com uma profundidade de 2,30 m), da cetária 1 da oficina 6 (7,45 m por 3,70 m com 2,07 m de profundidade) e da cetária 1 da oficina 23 (6,35 m de comprimento incompleto por 4,23 m de largura com profundidade indeterminada). Estas grandes cetárias têm paralelo na cetária 2 da oficina da Casa do Governador (Belém), com 6,30 m por 3,40 m de lado e 1,60 m de altura, tendo sido posta a hipótese de ter a função de depósito de água (Filipe e Fabião, no prelo).

As cetárias foram revestidas com uma argamassa de cal com brita calcária, que preferimos não designar por opus signinum para não confundir com a argamassa com cerâmica triturada, de cor rosada, conhecida por esse nome. Excepcionalmente, foram usados pequenos seixos rolados em vez de brita, no caso da oficina 9. Os cantos interiores dos tanques eram arredondados e a junção do pavimento com as paredes era colmatada por uma meia-cana horizontal em argamassa igual ao restante revestimento.

Esta opção pela argamassa com brita calcária repete-se na região de Setúbal, na região de Lisboa, em Sines e Lagos, pelo menos no Alto Império. Em Setúbal, foi utilizado na fábrica de salga da Travessa de Frei Gaspar (só no século IV ou V se usou opus signinum) (Silva, Soares e Soares, 1986) e também no Creiro (Arrábida) (Silva e Coelho-Soares, 1987); foi utilizado em Sines (à excepção de um pequeno tanque revestido a opus signinum numa das cinco oficinas conhecidas, a oficina B do Largo João de Deus) (Silva e Coelho-Soares, 2006), na Rua dos Correeiros (Lisboa) (Bugalhão e Sabrosa, 1995) e em Belém, na Casa do Governador (Filipe e Fabião, no prelo), a título de exemplo.

Em Lagos, as cetárias da Rua Silva Lopes da primeira fase de construção são revestidas a argamassa com pequenos seixos rolados (Ramos, Almeida, Laço, 2006, pp. 87-88). Este tipo de argamassa com brita calcária, e excepcionalmente seixos rolados, foi utilizada em Tróia ao longo de todo o período romano, não se conhecendo uma única cetária revestida a opus signinum, nem mesmo nas oficinas consideradas do Baixo Império. A cetária 8 da oficina 7 tem uma cetária com pavimento em opus signinum grosseiro, mas é fruto de uma remodelação visto que sobre ele foi construído um pequeno tanque semi-circular e numa das paredes da cetária foi aberta uma porta (Silveira et al., no prelo). Conhecem-se, no entanto, alguns remendos em opus signinum em paredes de tanques das oficinas 1C, 6 e 10. A oficina 20, por sua vez, tem ténues vestígios, num dos seus tanques, de uma parede de subdivisão tardia revestida a opus signinum.

ORGANIZAÇÃO ESPACIAL NAS OFICINAS DE SALGA

Todas as oficinas com o traçado completo a descoberto apresentam planta regular e simétrica, presumindo-se que todas tivessem essa característica. No entanto, distinguem-se vários modelos de oficinas.

As oficinas 1 e 2 sugerem que o modelo das oficinas grandes de Tróia era um compartimento rectangular, com cetárias dispostas ao longo das quatro paredes, e um pátio grande e largo em proporção à área total da oficina. Assim, a oficina 1, com 1106 m2 de área, tem um pátio com 514,5 m2, ocupando quase metade da área total, enquanto a oficina 2, com 346,5 m2 de área tem um pátio que ocupa 101,4 m2, ou seja, quase um terço da área total. Outras oficinas com plantas do mesmo tipo seriam a 4, a 12, a 21, a 22 e certamente a 23. Este tipo de oficina tem um paralelo próximo na oficina da Casa do Governador (Belém) (Filipe e Fabião, no prelo), embora essa tenha uma planta rectangular um pouco mais alongada.

Nestas oficinas, o pátio seria um espaço de trabalho de preparação do peixe, deposição temporária do sal e envasamento dos produtos retirados dos tanques e provavelmente também de filtragem dos molhos.

A oficina 6 é também uma oficina relativamente grande mas apresenta um modelo alternativo, com cetárias apenas em três lados. Além disso, as suas fiadas laterais abrem ligeiramente em V, o que se deverá ao facto desta oficina ter sido instalada entre ruas e edifícios pré-existentes.

As oficinas mais pequenas têm geralmente cetárias dispostas em U, ao longo de três lados do pátio. O melhor exemplo é a oficina 3, completa, mas também a oficina 5 devia seguir esse modelo.

No caso da 3, o pátio ocupa menos de um quinto da área total, mas também estes pátios têm largueza para serem áreas de trabalho. A planta em U, bastante comum, lembra o exemplo paradigmático da oficina de Cotta (Ponsich e Tarradell, 1965, p. 68).

A oficina 15 é um exemplo de oficina com pátio estreito e alongado, entre duas fiadas de cetárias, em forma de corredor, com 1,35 m de largura, que lembra a oficina da Rua Silva Lopes, em Lagos, com uma “zona central de acesso ou de trabalho” estreita e alongada, designada por “corredor”, com entrada num dos lados mais estreitos e tanques ao longo dos outros três lados (Ramos, Almeida, Laço, 2006, pp. 87-89). No entanto, o pátio da oficina 15 será proporcionalmente mais estreito.

Em Tróia, também as oficinas 17 e 19, e possivelmente a 20, têm esta disposição. No entanto, nenhuma está completamente preservada e não se conhece, por isso, uma planta completa deste tipo de oficina. Estes espaços internos das oficinas em forma de corredor mais dificilmente seriam espaços de trabalho que não fosse o de encher os tanques com peixe e sal e envasar as ânforas com os produtos retirados das cetárias.

As oficinas 7, 8, 9, 10, 18, 24 e 25 estão demasiado destruídas para que se possa depreender a sua organização espacial.

Nota-se, nas oficinas de Tróia, a ausência do modelo com fiada dupla de cetárias, que se verifica em Setúbal na Travessa de Frei Gaspar (Silva, Soares e Soares, 1986), na Oficina A do Largo João de Deus e na Oficina A da Rua Ramos da Costa em Sines (Silva, Coelho-Soares e Soares, 2006) e na unidade 1 do complexo fabril da Rua dos Correeiros (Bugalhão, 2001, p. 70), a título de exemplo.

O espaço disponível terá afectado a certo ponto a planta das oficinas. Enquanto as oficinas 1 e 2, e mesmo a 4, parecem ter-se espraiado em zonas amplas, sem constrangimentos de espaço, outras parecem ter sido condicionadas pelos espaços pré-definidos em que se inseriram. Os exemplos mais óbvios são as oficinas 3, 5 e 6, construídas em lotes situados entre vielas, no caso das oficinas 3 e 6, ou entre um edifício e uma viela, no caso da oficina 5. No caso das oficinas muito destruídas actualmente na orla do estuário, não há visibilidade suficiente para se poder avaliar.

No que respeita às oficinas situadas na vertente de dunas, a cotas altas, têm cetárias muito pequenas, certamente tardias, mas não é possível visualizar o seu traçado global.

Pode-se dizer que as oficinas de Tróia têm tendência para uma planta regular e simétrica mas apresentam uma relativa variabilidade e irregularidade no seu traçado e nas suas proporções.

A DATAÇÃO DAS OFICINAS DE SALGA

Só as oficinas que foram alvo de trabalhos arqueológicos bem documentados oferecem dados cronológicos. É o caso das oficinas 1 e 2, alvo de sondagens e interpretação que definiram que a sua fundação ocorreu no Alto Império. Os trabalhos descritos na primeira parte deste estudo mostraram que a sua construção começou pelo menos na época de Tibério. As oficinas 12 e 13 revelaram uma ocupação exclusivamente no Alto Império e as oficinas 4 e 6 são igualmente dessa época. A oficina 4 pela sua dimensão e pelas extensas remodelações que sofreu, e a oficina 6 porque foi parcialmente coberta por um edifício do Baixo Império, tendo sofrido alterações na parte que ficou a descoberto.

No que respeita às oficinas 3 e 5, de dimensão média, parece-nos provável que sejam igualmente do Alto Império pois articulam-se com um rua que ladeia a oficina 6 e com os edifícios que antecederam a basílica paleocristã.

As oficinas 11, 14 e 16, pela sua situação em pontos altos de dunas, terão sido construídas tardiamente, certamente no Baixo Império, e destacam-se pela pequena dimensão das suas cetárias.

Esse facto e a tendência para a segmentação das grandes oficinas e até de algumas grandes cetárias, sugere que já não se construíram grandes oficinas em época tardia.

E como datar as oficinas que estão hoje na orla do estuário do Sado, meio destruídas pelas marés? O abandono precoce das oficinas 12 e 13 no final do Alto Império explicar-se-á pela subida do nível das águas na embocadura do Sado desde a época romana. É provável que as outras oficinas implantadas a uma cota muito baixa (oficinas 7-10, 15 e 17-25), hoje na praia à mercê das marés, e que têm todas uma construção sólida e grandes cetárias, tenham sido construídas no Alto Império, com continuidade de utilização, muitas delas com remodelações, no Baixo Império.

A CAPACIDADE DE PRODUÇÃO DAS OFICINAS DE SALGA NO ALTO IMPÉRIO

A segmentação das grandes oficinas, e por vezes das próprias cetárias, na primeira metade do século III, como se verificou nas oficinas 1 e 2, sugere que o complexo de produção de Tróia viveu o seu auge durante os séculos I-II. As oficinas que são fruto da segmentação de grandes oficinas, que não são tratadas neste estudo, e as que são nitidamente tardias (oficinas 11, 14 e 16) têm uma capacidade de produção nitidamente reduzida.

Voltando ao objectivo inicial de dar uma noção da capacidade de produção do complexo de salgas de peixe provavelmente fundado por um Cornelius Bocchus, considera-se, pelas razões acima apontadas, que as infra-estruturas de produção do complexo de salgas de peixe de Tróia do Alto Império hoje conhecidas são as oficinas 1-10, 12-13, 15 e 17-25.

Pretende-se calcular a capacidade de produção das oficinas que resulta da soma do volume das suas cetárias, tendo consciência de que a capacidade máxima não terá sido utilizada frequentemente ou mesmo nunca, o que não significa que não seja indicativa em termos comparativos.

Reunidos os dados relativos ao Alto Império na tabela da Fig. 39, verifica-se uma capacidade de produção comprovada de 1398 m3 e estima-se uma capacidade de produção com razoável probabilidade de 3209 m3, à qual se deve somar a capacidade real de produção da oficina 3, obtendo um valor de 3312 m3, que ficará muito aquém da capacidade real deste centro produtor, tendo em conta que não foi possível registar qualquer valor para as oficinas 13, 15 e 24 e não se fizeram estimativas relativamente às oficinas 8, 17-20 e 25.

A contagem das cetárias hoje visíveis aponta para um mínimo de 153 existentes no Alto Império, embora de dimensões muito variáveis.

Estes dados permitem comparar Tróia com algumas outras oficinas e centros produtores de salgas e molhos de peixe com significado no Alto Império (>g. 40), embora se trate de uma comparação nem sempre muito significativa, dadas as características diversas dos sítios de que se dispõem dados, e a insuficiência de dados sobre outros complexos produtores. Apontam-se sítios de referência na Mauritânia Tingitana como Lixus (Ponsich et Tarradell, 1965, pp. 9-37) e Cotta (ibid., pp. 5-68) mas também Sabratha, na Tripolitania, um aglomerado urbano com múltiplas pequenas unidades de produção (Wilson, 2007). À Bética, vai-se buscar o exemplo clássico de Baelo Claudia (Bolonia), onde as unidades de produção estão integradas nas próprias casas do bairro industrial, e cuja capacidade de produção é apontada sem distinção clara de épocas, indicando-se que seria superior na época tardo-romana (Bernal et al. 2007, p. 213). Na Lusitânia, é incontornável a Casa do Governador, em Belém (Filipe e Fabião, no prelo) pela sua dimensão excepcional e pelos dados quantitativos que oferece; a Travessa de Frei Gaspar (Setúbal) (Silva, Soares e Soares, 1986) e o Creiro (Arrábida) pela sua proximidade a Tróia, e porque permitiram a estimativa da sua capacidade de produção (Étienne, Makaroun, Mayet, 1994, p. 109); Sines por revelar um conjunto de oficinas relativamente próximas como as de Tróia (Silva, Coelho-Soares e Soares, 1996); e Lagos, donde se indica a Rua Silva Lopes (Ramos, Almeida, Laço, 2006), apesar de não espelhar a importância do importante aglomerado industrial em que se insere. Omitem-se sítios importantes como Olisipo, onde se conhecem várias unidades de produção que laboraram no Alto Império (Bugalhão, 2001, pp. 52-54) mas faltam dados quantitativos significativos para esse período.

Nesta tabela, Tróia destaca-se, em primeiro lugar, por ser o sítio com mais unidades de produção identificadas. Pode-se dizer também que será o centro produtor com unidades de produção ou oficinas com maior dimensão, tendo em conta que as 18 unidades de Sabratha têm um volume de apenas cerca de 100 m3, o que indica serem muito pequenas, e mesmo Lixus tem unidades de produção com uma capacidade média de 100 m3. Embora Tróia tenha uma unidade com essa capacidade (oficina 3), tem várias com capacidade mínima comprovada (oficinas 1, 5 e 6) ou capacidade estimada (oficinas 4, 7, 22 e 23) nitidamente superiores (Fig. 13).

Nesta comparação, destaca-se pela sua dimensão a oficina da Casa do Governador, em Belém, que ocupava uma área (1525 m2) maior do que a da oficina 1 de Tróia (1106 m2). No entanto, talvez não tivesse uma capacidade de produção tão elevada quanto esta pois embora as duas oficinas estejam incompletas, as 19 cetárias escavadas de Tróia têm um volume de 465 m3 (Étienne, Makaroun e Mayet, 1994, pp. 75-76) enquanto as 34 cetárias escavadas da Casa do Governador têm um volume de 335 m3 (Filipe e Fabião, no prelo).

As oficinas de Setúbal, Creiro e Sines, apesar de situadas na mesma região ou em região próxima, são bastante mais pequenas do que as oficinas de Tróia. Já a oficina de Cotta tem uma capacidade de produção comparável à capacidade estimada da oficina 5 de Tróia, que se pode considerar de dimensão média neste complexo de produção.

Não havendo o propósito de fazer uma comparação exaustiva, fica o contributo para a uma melhor noção da dimensão do complexo de produção de Tróia.

Fig. 39. Número de cetárias e capacidade de produção das oficinas consideradas do Alto Império.

Fig. 40. Comparação da capacidade de produção de Tróia com outros sítios ou centros de produção.

CONCLUSÃO

Os dados recolhidos no trabalho de identificação e caracterização das oficinas de salga de Tróia só vêm reforçar o carácter excepcional deste centro de produção de conservas e molhos de peixe, onde se conhecem à data 25 oficinas de salga com uma capacidade de produção preservada e mínima de 1398 m3 no Alto Império, aquém da sua capacidade real, mas sem paralelo conhecido no mundo romano.

Se a nova cronologia de ocupação do espaço envolvente da oficina 2, do período de Tibério, permite aproximar a construção do complexo industrial do Cornelius Bocchus que aí foi homenageado, também o excepcional investimento que este complexo implicou, ou mesmo só a grande fábrica composta pelas oficinas 1 e 2, exige que tenha sido construído por uma pessoa, família ou sociedade com um excepcional poder económico e garantia do escoamento dos produtos. Sem o  provar, os novos dados dão consistência à hipótese de o Cornelius Bocchus homenageado em Tróia ter tido um papel fundamental na fundação do complexo de salgas de peixe aí situado.

O COMPLEXO INDUSTRIAL DE TRÓIA DESDE OS TEMPOS DOS CORNELII BOCCHI

Inês Vaz Pinto, Ana Patrícia Magalhães, Patrícia Brum
pt_PT