O Mestre Cozinheiro - 1950

TÍTULO: O Mestre Cozinheiro

SUB TÍTULO: Tratado completo de culinária.

AUTOR: “Colecção Laura Santos”

DATA 1ª EDIÇÃO: 1950

EDITORA: Editorial Lavores

IMPRESSO POR: 

SELO
DE MAR
collection

Capa primeira edição

Texto parcial do ESTUDO DO RECEITUÁRIO DE O MESTRE COZINHEIRO

Anabela Ferreira

ESTUDO DO RECEITUÁRIO DE O MESTRE COZINHEIRO

3ª edição – 1959

Disciplina: Alimentação Tradicional Portuguesa

Docente: Carmen Soares

Universidade Lusófona

Pós-Graduação em Património Cultural Imaterial

2020

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1  – Apresentação e caracterização da obra  O Mestre Cozinheiro

Editado pela primeira vez em 1950 (1), pela Editorial Lavores, a obra de seu título completo O Mestre Cozinheiro – Tratado completo de culinária. Cozinha regional portuguesa. Cozinha francesa. Conservas de legumes e frutas. Doçaria. Licores. Novas regras e novas receitas, que se enquadra no género literário dos livros de cozinha pretendia ser, de acordo com o texto publicitário da terceira edição, um “Verdadeiro tratado de culinária.” (2) 

A obra em análise, terceira edição editada em 1959, resultou da aquisição de catorze volumes colecionáveis, com a possibilidade de encadernação após conclusão da coleção. (3)
Assim a terceira edição apresenta-se em dois volumes, o primeiro com o subtítulo de Cozinha e o segundo Doçaria inscritos na lombada, em letras douradas sob fundo azul-escuro, que se destaca da restante encadernação em vermelho escuro. Possui um total de 1062 páginas numeradas sequencialmente, com o primeiro volume a terminar na página quinhentos e sessenta. As quarenta e oito páginas do Índice não estão numeradas e devido à sua extensão optou-se, neste trabalho, por apresentar uma lista dos títulos principais num documento em anexo (4)

No que diz respeito à autoria da obra, embora em edições posteriores, inclusive na décima terceira edição em 2006, já em outra editora (5), se tenha convencionado apresentar o nome de Laura Santos como autora, não há como ter a certeza se assim é de facto e não uma marca criada pela editora original, pois as primeiras edições o nome surge entre aspas e em nenhum lugar se encontrou referência à pessoa, exceto no site da Mel Editores (6) que atualmente possui os direitos de publicação da obra. Contudo a informação ali contida não é passível de verificação, o texto foi criado pelo atual responsável (7), sem outras referências para além do conhecimento das obras editadas na Coleção «Laura Santos».

Uma investigação mais apurada pode vir a esclarecer esta questão, a qual não é fundamental para este trabalho. Seja como for na página, antes da folha de rosto, pode ler-se em baixo que “Este livro teve a colaboração de diversos cozinheiros portugueses e franceses.” (8), pelo que se deduz tratar-se de uma compilação à qual se “colou” a marca da coleção.

Trata-se de uma obra ilustrada com desenhos a traço, a maioria com representações da apresentação da receita concluída, exposta em prato ou travessa, ladeada por alguns utensílios de cozinha ou de serviço de mesa (9). Algumas ilustrações focam pormenores do preparo do alimento, vendo-se mãos femininas em ação (10). Com menos frequência podem ver-se algumas que apresentam a mulher na cozinha, como a que se apresenta na capa deste trabalho e na imagem que ilustra o primeiro capítulo da obra (11). Repare-se no aprumo da dona de casa, patente no vestuário e no penteado, na arrumação da cozinha que se advinha muito limpa, pormenores que ilustram aspetos que ao longo da obra se vão aconselhando como preceitos que as “boas donas de casa” deviam seguir, inclusive para manter a harmonia com o esposo (12). É este o público a que se destina a obra em análise: à dona de casa, independentemente do título que remete para o masculino, para o cozinheiro que enquanto mestre partilha ensinamentos sobretudo relacionados com os alimentos.

No primeiro capítulo, intitulado “A cozinha”(13), são apresentados conselhos de organização, decoração e de limpeza do espaço de trabalho, e também de fixação de tabelas de uso corrente, como se usa “lá fora”(14) para orientação regular, como seja a de “Tempo e temperaturas das várias cozeduras”15, apresentando conceitos que, tanto quanto se sabe, não seriam à época do conhecimento geral, como “[…] a gastrotécnica é uma arte culinária fundada sobre a compreensão dos fenómenos físico-químicos, aos quais são submetidos os alimentos no decurso da sua preparação.”(16)

Antes de apresentar as receitas de cozinha, a obra exibe capítulos considerados essenciais, conforme se pode observar no índice anexo (17), para o conhecimento da “dona de casa” expressão vulgarizada ao longo da obra, nos textos em que se apresentam regras de etiqueta e conduta dirigidos ao leitor, neste caso inequivocamente à leitora, seguido invariavelmente do verbo “deve”, como “[…] a dona de casa deve esforçar-se por reduzir ao estrictamente necessário as suas idas à cozinha […].”(18), isto obviamente quando recebe convidados. A propósito são estes capítulos que permitem perceber que a obra em estudo se destinava, em grande parte, à mulher oriunda de classes sociais mais abastadas, pois a generalidade da população portuguesa na década de 1950 (19) dificilmente estaria preparada para a cerimonialidade dos serviços apresentados, bem como para a recomendação do uso de copos de cristal, ou de prataria, para citar alguns exemplos20, e muito menos para cardápios que incluíam consumo de ostras, ou de “Gamembert” [Sic.] e outros queijos franceses antes da sobremesa21.

Contudo há também a preocupação de que o livro seja útil para senhoras com rendimentos mais humildes, tendo em conta alguns conselhos económicos, para que se pesasse o orçamento “de cada qual” antes de decidir executar qualquer receita, em vez de suprimir qualquer dos temperos, adiantando que “Há boas receitas, modestas, de bom efeito, prefiram-se essas, deitando-se-lhes todos os temperos nelas indicados.”(22)

Ao contrário do que pode ver-se em outras obras dentro deste género literário, sobretudo naquelas publicadas no período do Estado Novo (23), em O Mestre Cozinheiro embora se apresente um conjunto considerável de receitas regionais e locais, perfeitamente identificadas, como se verá mais em baixo, não descura, nem diminui a influência da cozinha estrangeira, sobretudo a francesa, não apenas visível em algumas receitas, como “Coelho à francesa”(24), mas também declarada quando, por exemplo, na receita de Courtbouillon, se explica que “[…] é o nome que os franceses dão à água temperada em que cozem os peixes.” (25)

Para além de conselhos domésticos, económicos, de regimes alimentares relacionados com a saúde (26) e de sociabilidade no lar, a obra apresenta milhares de receitas. No que respeita aos produtos alimentares utilizados, no primeiro volume apresentam-se receitas em que predominantemente se usam peixes, com o bacalhau a merecer título separado, mariscos, aves de capoeira, aves e outras espécies de caça, carnes – com algumas páginas dedicadas a aconselhar à preparação das mesmas, terminando com desenhos esquemáticos dos diversos cortes dos animais (27) e cujas receitas incluem borrego, carneiro, cabrito, porco, vaca e vitela –, legumes, arroz e ovos.

Em termos de culinária apresentam-se receitas de sopa – que inclui consomés (28) e sopa de favas (29), para citar alguns exemplos -, acepipes, molhos, manteigas, mousses salgadas, foie-gras, geleias, almôndegas, pudins e rolos salgados, recheios, conservas – que se inicia com um capítulo intitulado “As Conservas na Economia Doméstica”, onde se apela à necessidade de conservação de alimentos, tanto no campo como na cidade, como forma de economia e de evitar “estragar produtos excelentes”, referindo para além de compotas e licores a “carne de salgadeira”, tudo métodos de conservação que uma boa dona de casa devia conhecer e promover (30) –, guarnições, saladas, soufflés, massas, empadas, pastéis e croquetes.

O segundo volume é inteiramente dedicado à doçaria, apresentando regras, métodos e serviço (31), conselhos e receitas de decoração e recheio (32), com receituário variado de biscoitos, bolos, bolachas, bolinhos, guloseimas, sobremesa várias entre doces e pudins, gelados e sorvetes, licores e cocktails, apenas para referir os mais relevantes. Também neste volume se apresentam métodos e receitas de conservação de frutas em doces, alegando que “Estas conservas são reserva preciosas que a dona de casa deve saber preparar.”(33). São variadas as receitas de cobertura de açúcar, compota, geleias e marmeladas. Encontram-se ainda métodos de conservação (34) em álcool, por desidratação – apresentando-se o conceito e diversos métodos domésticos disponíveis, pois “O tratamento pelo vácuo ou a baixa pressão não está ao alcance dos particulares.”(35) –, por esterilização e pelo frio em ”Uma cave bem seca ou no canto de um celeiro […].”(36)

No que respeita à tradição, a análise do índice não apresentou qualquer receita designada como tradicional. Embora, como já observado, não se tenha lido a obra na íntegra, houve o cuidado de ler os textos introdutórios apresentados antes de alguns dos capítulos, onde se encontrou uma observação que remete para a tradição, na introdução aos métodos de utilização da “aparelhagem moderna” que eram na época os fogões a gás e elétricos, onde se lê: “De acordo com os métodos antigos, (37) só preparando a carne sobre as brasas se podia obter bons grelhados e o assado não seria conveniente se não fosse feito numa assadeira de espeto guarnecida de brasas ou com um fogo de lenha seca.” Mais à frente quando se aconselha sobre a escolha e preparação das carnes é referido que “[…] preparar as carnes é muito fácil, pois os processos de hoje são os mesmos utilizados pelas nossas avós que não deixaram de as transmitir a filhas e netas.” Note-se que se tratava de um conhecimento feminino, transmitido entre gerações que se enquadra nas práticas tradicionais imateriais. Para além destes aspetos, embora o receituário apresente, no seu conjunto, uma série de receitas geralmente consideradas tradicionais como o “Arroz doce”(38), a expressão não é usada no título de nenhuma receita.

Apresentada que está obra, importa expor de seguida o estudo do receituário, à luz da categorização em Cozinha dos Territórios, Cozinha Honorífica e Cozinha dos Afetos, conforme proposto.

 

Capa terceira edição

Capa fascículos

2 – Categorização das receitas em O Mestre Cozinheiro

Numa obra vasta, como esta em estudo, é possível encontrar receitas que se podem agrupar em diversas categorias, as quais se enquadram no “valor de uso do ponto de vista emocional e económico da identidade alimentar/gastronómica”(39), mesmo que essas categorias não sejam estanques, tendo em conta algumas receitas podem ser transversais a diferentes grupos – por exemplo a receita “Perdizes da minha mãe”(40), que se enquadra naquilo que se designa por cozinha de afetos, não deixa de ser uma receita honorífica – não deixam de permitir um enquadramento do receituário de acordo com as mesmas.

A única categoria que não foi encontrada foi aquela designada como Cozinha de Autor, pois na obra em estudo não existem receitas cujo título remeta para uma criação individual, para além de que ao longo dos textos não há qualquer referência direta ou indireta a um autor específico, outro aspeto que leva a supor tratar-se de uma coletânea de receitas de autores desconhecidos, como observado em cima.

Porque os exemplos para cada categoria são muitos, apresentam-se nos Anexos “Listas por Categorização de Algumas Receitas a Partir do Índice de O Mestre Cozinheiro”(41) com o duplo objetivo de dar a conhecer outros exemplos de títulos, par além dos que se vão referir, sem alongar demasiado o texto deste estudo.

2.1. – Cozinha dos Territórios (42)

A Cozinha dos Territórios caracteriza-se pelas receitas cujos títulos e/ou ingredientes que se ligam e/ou remetem para um espaço. Podem ser territórios locais (micro), ou mais amplos (macro) (43). Na obra em apreço não são muitos os exemplos de cozinha nacional, embora um dos quais seja inevitável: a “Sopa e cozido à portuguesa”(44), receita que não inclui como ingrediente a carne de porco, embora a mesma esteja presente nos enchidos e no toucinho, e que oferece como opção à carne de vaca a de carneiro. Para além desta, são apresentadas quatro outras receitas de pendor nacionalista referidas como sendo “à portuguesa”.(45)

No que respeita a receitas regionais, os exemplos são mais variados e abarcam quase todo o território português (46) do Minho – “Cordeiro assado à minhota”(47) – ao Alentejo – “Sopa alentejana”(48) –, curiosamente omitindo o Algarve, região a que não é feita qualquer referência ao longo da obra, nem mesmo nas receitas de “Bolinhos de amêndoa imitando frutas”(49).

Ainda nesta categoria, em anexo destaca-se a receita de “Sável à moda do Ribatejo”(50), a qual se pode comparar com a receita editada pela Comissão Municipal de Turismo da Câmara Municipal de Vila Franca de Xira (CMVFX), em fichas informativas distribuída à população em finais da década de 1980 (51), aquando da criação da campanha gastronómica realizada em diversos restaurantes do território concelhio e que, desde 2014, se tornou marca registada com o título de “Março, Mês do Sável”. Ambas apresentam semelhanças, embora a da CMVFX possua mais ingredientes e o modo de preparação seja mais pormenorizado. Par além disso, apesar do pão ser preparado como acompanhamento em ambas as receitas, em O Mestre Cozinheiro é-o em migas, enquanto em Vila Franca de Xira, bem como em outros locais (52), é-o em açorda à qual se juntam as ovas desfeitas e o peixe cozido esfiado.

Na categoria da cozinha de território local, as receitas cujos títulos mencionam expressamente um topónimo são ainda mais numerosas e abarcam tanto a cozinha, propriamente dita, como a doçaria. Para além de alguns exemplos listados em anexo (53), refira-se a receita de “Lagosta à Baleal”(54) e, no extremo oposto dos paladares, a de “Pastéis de Belém” (55) a qual difere muito da receita conhecida e comercializada numa famosa casa da especialidade em Lisboa, pois em O Mestre Cozinheiro o recheio é feito com miolo de pão duro, escaldado em leite, a que se junta mais leite, açúcar e gemas de ovo. Nesta subcategoria os títulos do receituário aludem a grandes cidades como Lisboa e Porto, mas também a vilas como Tramagal em Abrantes e Rio de Moinhos em Penafiel, numa variedade que inclui o arquipélago dos Açores, com a receita de “Queijadas de S. Miguel”(56), mas que exclui o da Madeira, apenas referido numa receita de imitação do vinho (57) e, mais uma vez, o Algarve.

2.2. – Cozinha dos Afetos

Entendem-se por Cozinha dos Afetos as receitas em cujo título é evidente a homenagem a um familiar (58), ou a um lugar de pertença pessoal, remetem para um sentimento de evocação das memórias individuais e dessa forma a sua presença no conjunto do receituário representa uma “fusão da memória familiar e pessoal na memória coletiva.”(59)

Na obra em apreço foram encontradas três receitas que se enquadram nesta categoria:

“Perdizes da minha mãe”(60), “Biscoitos da minha terra” (61) – sem qualquer apresentação, pelo que fica sem se saber qual seria a “terra” – e “Pescada à «avó»”(62), que embora sem o pronome possessivo “minha” e com a palavra avó entre aspas, não deixa de remeter para uma situação afetiva.

Para além das receitas, pode encontrar-se a evocação aos afetos no texto de introdução da obra, por exemplo quando se lê: “Como se sabe, desde os tempos mais recuados, a culinária representou um grande papel dentro dos lares onde o fogo eterno do amor não se apagará.” (63) Deste modo liga-se a cozinha ao amor, ao conforto do lar e embora não esteja presente na frase, bem se pode imaginar, à mulher, a dona de casa a qual “[…] com o auxílio deste bom livro, poderá apresentar à sua família, pratos que os seduzam e provoquem até alegria durante o repasto.”(64) Desta forma alia-se a comida ao prazer e será a mesma “[…] dona de casa, sempre tão afanosa, possuída pelo são desejo de agradar aos seus, de tornar o seu lar um refúgio apetecível.” (65) que faz com que a cozinha seja um espaço feminino, acolhedor de onde saem pratos concebidos com amor, que seduzem, que provocam alegria e que se fixam na memória dos afetos.

Ainda a evocar os afetos note-se a ilustração (66) da capa dos números vendidos, que felizmente a encadernação não excluiu e que podem ser vistas no início dos dois volumes da obra em estudo, onde na cozinha se veem duas mulheres, uma nitidamente mais velha, não só por ser mais alta mas também porque o penteado assim faz deduzir, a cozinhar auxiliada por uma outra mulher mais jovem. A observação da imagem remete de imediato para os ensinamentos da mãe à jovem filha, algo que envolve afetos, memória e transmissão de saberes.

2.3. – Cozinha Honorífica

Como o próprio título indica a Cozinha Honorífica é aquela que homenageia pessoas ou instituições (67). Exemplos da primeira situação, encontram-se em O Mestre Cozinheiro receitas sobejamente conhecidas, como o “Bacalhau à Brás”(68) ou “à Gome de Sá”(69), mas também na doçaria as “Argolinhas do Tó” (70), entre outras (71) que referem nomes próprios, embora também se possam encontrar receitas de homenagem a ocupações profissionais e/ou tipos sociais como “Perdiz à diplomata”(72), ou “Pudim fadista”(73).

Também na cozinha honorífica é comum em outras obras apresentarem-se receitas “conventuais”, as quais muitas vezes são uma homenagem a determinado convento, embora comumente se julgue tratar-se de receitas com origem no labor das freiras ou frades, nem sempre é assim (74). Não tendo a certeza se de facto se tratam de receitas produzidas no seio de um convento, consideraram-se como receitas de cozinha honorífica a de “Pastéis do Convento de Santa Clara” (75), cujos ingrediente para o recheio incluem, entre outros, miolo de amêndoa e gão de bico que se desfaz em puré, as “Celestes de Santa Clara” (76) que na lista de ingredientes refere trinta gramas de cidrão, que no texto da receita não é mencionado e “Raivas (Convento da Castanheira)”(77), cujo título do convento surge entre parenteses no original, tal como foi transcrito e que remete, pensa-se, para o extinto convento da Castanheira do Ribatejo, relativamente ao qual se desconhece qualquer receituário. Para além destes três únicos títulos que evocam conventos específicos é possível encontrar receitas como por exemplo “Bacalhau de abade” (78), ou “Bolo Carmelita” (79) que remetem para uma homenagem à figura maior de um mosteiro e a uma da ordens conventuais mais comuns no território português.

Conclusão

O estudo de O Mestre Cozinheiro, como aliás foi referido, permite muitas outras análises relacionadas não apenas com a culinária propriamente dita, mas também com a história social e económica, pois a leitura da obra apresenta aspetos que remetem para um tempo diferente em que, por exemplo, a utilidade e conteúdo de um frigorífico é objeto de dois capítulos (80). Contudo, no momento, este e outros aspetos não cabem neste trabalho académico. Seja como for esta é uma obra que apesar de editada na década de 1950, talvez pela quantidade de receitas, muitas delas de fácil execução, foi ainda reeditada no novo milénio.

Embora sem apresentar grandes defesas relativamente à importância da cozinha nacional, mesmo não sendo certa a sua autoria, O Mestre Cozinheiro apresenta receitas em cujos títulos foi possível encontrar elementos que permitem a categorização de diferentes tipos de cozinha, que embora à mistura com títulos internacionais que denotam a influência sobretudo da cozinha francesa, não deixam de remeter para o território nacional, do mais amplo ao mais específico, classificados como cozinha de territórios e também alguns exemplos da cozinha dos afetos, sem descurar a cozinha honorífica.

Com certeza a possibilidade de comparação com outros livros de culinária da época, bem como o aprofundamento da leitura de outros estudos semelhantes haviam de possibilitar outras conclusões, contudo a análise desta obra permitiu perceber por que razão semelhantes estudos se aplicam ao património cultural imaterial, pois evocam ensinamentos muitas vezes transmitidos oralmente, nem sempre presentes nas receitas escritas, mas que são recordados como “aquele truque usado pela mãe”, quando ensina a cozinhar determinado prato, bem como os métodos de cozinhar, que podem ser bem diferentes daqueles praticados na atualidade, mas que não deixam de conter gestos e práticas que remetem para a imaterialidade.

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