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Cosinheiro Familiar – Tratado completo de Copa e Cosinha

Cosinheiro Familiar - Tratado completo de Copa e Cosinha

TÍTULO: Cosinheiro Familiar

SUB TÍTULO: Tratado completo de Copa e Cosinha

AUTOR: desconhecido

DATA 4ª EDIÇÃO: desconhecida

EDITORA: Livraria e typographia de F. Silva – Lisboa

IMPRESSO POR:

16x12cm. Com 140 págs. texto

Valiosa colleccção de receitas para fazer almoços, lunchs, jantares, merendas, ceias, petiscos, conservas, pudins, bolos, compotas, gelados, caldas de fructa, licores, vinhos finos e artificiaes, crémes, vinagre, refrescos, etc, etc.

Formulas para evitar os maus cheiros, o bôlor e o ranço, para afugentar as formigas, para concertar louças, conhece falsificações, etc.

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Arte de cozinha

Arte de cozinha

Arte de cozinha : primeira parte. Trata do modo de cozinhar varios manjares, e diversas iguarias de todo o genero de carnes, tortas, empadas, e pasteis, &c

Authors:  Rodrigues, Domingos, 1637-1719

Obs. manuscrita: Primeiro livro de Culinaria editado em Portugal. O autor é Domingos Rodrigues, nascido em 1637 e falecido em 1719. O livro foi impresso por João Galvão, Lisboa, 1680. Teve 2ª edição em 1683, mesmo impressor. 3ª ed. em 1668 na officina de Manoel Lopes Ferreira. Reeditado ainda em 1732, oficina Ferreiriana; 1741, of. de Carlos Esteves Mariz; em 1704 (?) na de João Antonio dos Reis; em 1814 na de Eugenio Augusto e 1836, na mesma impressora. Não foi possível identificar a edição dada a mutilação do presente exemplar que foi adquirido num sebo de Lisboa.

1ª edição – 1680 – impresso por João Galvão, Lisboa

2ª edição – 1683 – mesmo impressor

3ª edição – 1689 – na officina de Manoel Lopes Ferreira

1732 – oficina Ferreiriana;

1741 – oficina de Carlos Esteves Mariz;

1704 (?) na oficina de João Antonio dos Reis; 

1814 na de Eugenio Augusto e 1836, na mesma impressora

O mais conhecido, e considerado o primeiro tratado de cozinha publicado em Portugal, é o de Domingos Rodrigues (1637-1719), A arte da cozinha, que saiu em 1680. Domingos Rodrigues dizia ter 29 anos de fogão, e uma infinidade de banquetes devorados pelos convivas da mesa real portuguesa, quando publicou um pequeno volume dedicado às artes da cozinha. “Todas as coisas que ensino experimentei por minha própria mão e as mais delas inventei por minha habilidade”, escreveu no prólogo. O cozinheiro real teria começado a exercer o ofício cedo, ainda sob o reinado de D. João IV, o primeiro soberano da dinastia dos Bragança. Alcançou a graça de Sua majestade D. Pedro II, “o pacífico”, trabalhando duro e “com asseio e limpeza”. A história de Arte de cozinha é curiosa. Conhecido como o primeiro livro de cozinha de Portugal, o volume escrito por Domingos Rodrigues teve três edições durante a vida do autor. A primeira em 1680, a segunda em 1683 e finalmente, a última, em 1698. Outras viriam ao longo do século XVIII, em 1732, em 1741, em 1758, 1765 e 1794. Um verdadeiro sucesso editorial num país em que, no período, publicar um livro não era fácil ou tão comum. No tempo de Domingos Rodrigues – isto é, no final do século XVII –, percebemos que a utilização do açafrão, do açúcar e das mais variadas especiarias e pimentas é um dos elementos que demonstra o poderio econômico do império português, que podia mandar vir dos lugares mais distantes do globo alimentos que custavam fortunas. Desta maneira, o livro de Domingos Rodrigues nos dá uma pista tanto do que significava a cozinha do rei como do que se comia nos jantares reais portugueses. O livro é, portanto, ao mesmo tempo, um reflexo da vida cotidiana e um lugar de encontro dos costumes através dos séculos. O livro sofria modificações a cada nova edição, tendo sido acrescidas ou suprimidas diferentes receitas. Entre as próprias edições disponíveis na Brasiliana USP, sendo a primeira delas de data não especificada e a segunda de 1732, vemos algumas alterações. A edição de 1732 é considerada a mais completa que já se encontrou em Portugal. Esta, inclusive, serviu de base para que o livro fosse reeditado pela Imprensa Nacional/Casa da Moeda em 1987. Já a edição de 1836 tem uma história curiosa: foi impressa em 1836 nas oficinas de J.J. Barroso e Cia. no Rio de Janeiro. Na história das edições do livro, esta – a brasileira – nunca foi contada como “oficial” pelas pesquisadoras portuguesas Maria da Graça Pericão e Maria Isabel Faria.

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As Melhores Receitas de Cozinha Natural – 1956

As Melhores Receitas de Cozinha Natural

TÍTULO: As Melhores Receitas de Cozinha Natural

SUB TÍTULO: Colecção Vera Cruz 9

AUTOR: Libânia de Sousa  Alves

DATA 1ª EDIÇÃO:  1956

EDITORA: Edição do Autor

IMPRESSO POR: 

Texto em BiBlioAlimentAriA

Alimentação, Saúde e Sociabilidade à Mesa no acervo bibliográfico da Universidade de Coimbra

Carmen Soares (Coord.)

Imprensa da Universidade de Coimbra
Coimbra University Press

ALVES, Libânia de Sousa, As melhores receitas de cozinha natural (1956?)

Da mesma autora, possui a Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra três exemplares distintos, todos identificados como “Edição da Autora”, publicados pelas Edições Vera Cruz (Porto), numa série precisamente intitulada “Coleção Vera Cruz”. Nenhum dos livros tem data de publicação, no entanto a exibição nas suas contracapas dos números de cada um deles na série e o carimbo de entrada na Biblioteca da Universidade permite datar dois vols. para o ano de 1955 (ambos marcados com a data de 5 de março) – As melhores receitas de cozinha (n.º 2 da coleção); Doces seleccionados perpétuo agrícola, com indicações das plantações e demais  atividades agrícolas propícias em cada mês.

O considerável volume de informações sobre espécies de plantas e animais, processos de cultura e colheitas, tanto inspirados nos autores clássicos como nas prática quotidianas quinhentistas, tornam esta obra essencial para o conhecimento da atividade agrícola do século XVI, mas, também, para a História da Alimentação, uma vez que o autor, por diversas vezes, tece por vezes considerações sobre propriedades medicinais, alimentares e culinárias de alguns produtos, apresentando desde mezinhas para curar bebedeiras a processos de conservação de frutas e legumes, e evidenciando, por esta via, a indissociável relação entre agricultura, alimentação e saúde.

A Universidade de Coimbra guarda no seu acervo bibliográfico sete edições distintas desta obra: a segunda edição, de 1520, revista e aumentada ainda em vida do autor; as edições de 1563 e 1584 (exibida durante a exposição BiblioAlimentaria); do século XVII tem quatro edições, duas de 1605, uma de 1620 (ambas contam com o acrescento da obra Agricultura de Jardines, de Gregório de los Rios) e ainda a edição de 1677. Note‑se que algumas destas edições apresentam curiosos apontamentos e anotações manuscritos, que demonstram a utilização das obras e, até, a aplicação de técnicas e processos nelas referidos.

(JPG)

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O Cozinheiro Prático – 1952

O Cozinheiro Prático

TÍTULO: O Cozinheiro Prático

SUB TÍTULO: interessante guia de culinária ao alcance de toda a gente

AUTOR: Mariazinha

DATA 1ª EDIÇÃO: 1952

EDITORA: Editorial Minerva

IMPRESSO POR: Oficinas gráficas Editorial Minerva

SELO
DE MAR
collection

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O Mestre Cozinheiro – 1950

O Mestre Cozinheiro - 1950

TÍTULO: O Mestre Cozinheiro

SUB TÍTULO: Tratado completo de culinária.

AUTOR: “Colecção Laura Santos”

DATA 1ª EDIÇÃO: 1950

EDITORA: Editorial Lavores

IMPRESSO POR: 

SELO
DE MAR
collection

Capa primeira edição

Texto parcial do ESTUDO DO RECEITUÁRIO DE O MESTRE COZINHEIRO

Anabela Ferreira

ESTUDO DO RECEITUÁRIO DE O MESTRE COZINHEIRO

3ª edição – 1959

Disciplina: Alimentação Tradicional Portuguesa

Docente: Carmen Soares

Universidade Lusófona

Pós-Graduação em Património Cultural Imaterial

2020

LINK

1  – Apresentação e caracterização da obra  O Mestre Cozinheiro

Editado pela primeira vez em 1950 (1), pela Editorial Lavores, a obra de seu título completo O Mestre Cozinheiro – Tratado completo de culinária. Cozinha regional portuguesa. Cozinha francesa. Conservas de legumes e frutas. Doçaria. Licores. Novas regras e novas receitas, que se enquadra no género literário dos livros de cozinha pretendia ser, de acordo com o texto publicitário da terceira edição, um “Verdadeiro tratado de culinária.” (2) 

A obra em análise, terceira edição editada em 1959, resultou da aquisição de catorze volumes colecionáveis, com a possibilidade de encadernação após conclusão da coleção. (3)
Assim a terceira edição apresenta-se em dois volumes, o primeiro com o subtítulo de Cozinha e o segundo Doçaria inscritos na lombada, em letras douradas sob fundo azul-escuro, que se destaca da restante encadernação em vermelho escuro. Possui um total de 1062 páginas numeradas sequencialmente, com o primeiro volume a terminar na página quinhentos e sessenta. As quarenta e oito páginas do Índice não estão numeradas e devido à sua extensão optou-se, neste trabalho, por apresentar uma lista dos títulos principais num documento em anexo (4)

No que diz respeito à autoria da obra, embora em edições posteriores, inclusive na décima terceira edição em 2006, já em outra editora (5), se tenha convencionado apresentar o nome de Laura Santos como autora, não há como ter a certeza se assim é de facto e não uma marca criada pela editora original, pois as primeiras edições o nome surge entre aspas e em nenhum lugar se encontrou referência à pessoa, exceto no site da Mel Editores (6) que atualmente possui os direitos de publicação da obra. Contudo a informação ali contida não é passível de verificação, o texto foi criado pelo atual responsável (7), sem outras referências para além do conhecimento das obras editadas na Coleção «Laura Santos».

Uma investigação mais apurada pode vir a esclarecer esta questão, a qual não é fundamental para este trabalho. Seja como for na página, antes da folha de rosto, pode ler-se em baixo que “Este livro teve a colaboração de diversos cozinheiros portugueses e franceses.” (8), pelo que se deduz tratar-se de uma compilação à qual se “colou” a marca da coleção.

Trata-se de uma obra ilustrada com desenhos a traço, a maioria com representações da apresentação da receita concluída, exposta em prato ou travessa, ladeada por alguns utensílios de cozinha ou de serviço de mesa (9). Algumas ilustrações focam pormenores do preparo do alimento, vendo-se mãos femininas em ação (10). Com menos frequência podem ver-se algumas que apresentam a mulher na cozinha, como a que se apresenta na capa deste trabalho e na imagem que ilustra o primeiro capítulo da obra (11). Repare-se no aprumo da dona de casa, patente no vestuário e no penteado, na arrumação da cozinha que se advinha muito limpa, pormenores que ilustram aspetos que ao longo da obra se vão aconselhando como preceitos que as “boas donas de casa” deviam seguir, inclusive para manter a harmonia com o esposo (12). É este o público a que se destina a obra em análise: à dona de casa, independentemente do título que remete para o masculino, para o cozinheiro que enquanto mestre partilha ensinamentos sobretudo relacionados com os alimentos.

No primeiro capítulo, intitulado “A cozinha”(13), são apresentados conselhos de organização, decoração e de limpeza do espaço de trabalho, e também de fixação de tabelas de uso corrente, como se usa “lá fora”(14) para orientação regular, como seja a de “Tempo e temperaturas das várias cozeduras”15, apresentando conceitos que, tanto quanto se sabe, não seriam à época do conhecimento geral, como “[…] a gastrotécnica é uma arte culinária fundada sobre a compreensão dos fenómenos físico-químicos, aos quais são submetidos os alimentos no decurso da sua preparação.”(16)

Antes de apresentar as receitas de cozinha, a obra exibe capítulos considerados essenciais, conforme se pode observar no índice anexo (17), para o conhecimento da “dona de casa” expressão vulgarizada ao longo da obra, nos textos em que se apresentam regras de etiqueta e conduta dirigidos ao leitor, neste caso inequivocamente à leitora, seguido invariavelmente do verbo “deve”, como “[…] a dona de casa deve esforçar-se por reduzir ao estrictamente necessário as suas idas à cozinha […].”(18), isto obviamente quando recebe convidados. A propósito são estes capítulos que permitem perceber que a obra em estudo se destinava, em grande parte, à mulher oriunda de classes sociais mais abastadas, pois a generalidade da população portuguesa na década de 1950 (19) dificilmente estaria preparada para a cerimonialidade dos serviços apresentados, bem como para a recomendação do uso de copos de cristal, ou de prataria, para citar alguns exemplos20, e muito menos para cardápios que incluíam consumo de ostras, ou de “Gamembert” [Sic.] e outros queijos franceses antes da sobremesa21.

Contudo há também a preocupação de que o livro seja útil para senhoras com rendimentos mais humildes, tendo em conta alguns conselhos económicos, para que se pesasse o orçamento “de cada qual” antes de decidir executar qualquer receita, em vez de suprimir qualquer dos temperos, adiantando que “Há boas receitas, modestas, de bom efeito, prefiram-se essas, deitando-se-lhes todos os temperos nelas indicados.”(22)

Ao contrário do que pode ver-se em outras obras dentro deste género literário, sobretudo naquelas publicadas no período do Estado Novo (23), em O Mestre Cozinheiro embora se apresente um conjunto considerável de receitas regionais e locais, perfeitamente identificadas, como se verá mais em baixo, não descura, nem diminui a influência da cozinha estrangeira, sobretudo a francesa, não apenas visível em algumas receitas, como “Coelho à francesa”(24), mas também declarada quando, por exemplo, na receita de Courtbouillon, se explica que “[…] é o nome que os franceses dão à água temperada em que cozem os peixes.” (25)

Para além de conselhos domésticos, económicos, de regimes alimentares relacionados com a saúde (26) e de sociabilidade no lar, a obra apresenta milhares de receitas. No que respeita aos produtos alimentares utilizados, no primeiro volume apresentam-se receitas em que predominantemente se usam peixes, com o bacalhau a merecer título separado, mariscos, aves de capoeira, aves e outras espécies de caça, carnes – com algumas páginas dedicadas a aconselhar à preparação das mesmas, terminando com desenhos esquemáticos dos diversos cortes dos animais (27) e cujas receitas incluem borrego, carneiro, cabrito, porco, vaca e vitela –, legumes, arroz e ovos.

Em termos de culinária apresentam-se receitas de sopa – que inclui consomés (28) e sopa de favas (29), para citar alguns exemplos -, acepipes, molhos, manteigas, mousses salgadas, foie-gras, geleias, almôndegas, pudins e rolos salgados, recheios, conservas – que se inicia com um capítulo intitulado “As Conservas na Economia Doméstica”, onde se apela à necessidade de conservação de alimentos, tanto no campo como na cidade, como forma de economia e de evitar “estragar produtos excelentes”, referindo para além de compotas e licores a “carne de salgadeira”, tudo métodos de conservação que uma boa dona de casa devia conhecer e promover (30) –, guarnições, saladas, soufflés, massas, empadas, pastéis e croquetes.

O segundo volume é inteiramente dedicado à doçaria, apresentando regras, métodos e serviço (31), conselhos e receitas de decoração e recheio (32), com receituário variado de biscoitos, bolos, bolachas, bolinhos, guloseimas, sobremesa várias entre doces e pudins, gelados e sorvetes, licores e cocktails, apenas para referir os mais relevantes. Também neste volume se apresentam métodos e receitas de conservação de frutas em doces, alegando que “Estas conservas são reserva preciosas que a dona de casa deve saber preparar.”(33). São variadas as receitas de cobertura de açúcar, compota, geleias e marmeladas. Encontram-se ainda métodos de conservação (34) em álcool, por desidratação – apresentando-se o conceito e diversos métodos domésticos disponíveis, pois “O tratamento pelo vácuo ou a baixa pressão não está ao alcance dos particulares.”(35) –, por esterilização e pelo frio em ”Uma cave bem seca ou no canto de um celeiro […].”(36)

No que respeita à tradição, a análise do índice não apresentou qualquer receita designada como tradicional. Embora, como já observado, não se tenha lido a obra na íntegra, houve o cuidado de ler os textos introdutórios apresentados antes de alguns dos capítulos, onde se encontrou uma observação que remete para a tradição, na introdução aos métodos de utilização da “aparelhagem moderna” que eram na época os fogões a gás e elétricos, onde se lê: “De acordo com os métodos antigos, (37) só preparando a carne sobre as brasas se podia obter bons grelhados e o assado não seria conveniente se não fosse feito numa assadeira de espeto guarnecida de brasas ou com um fogo de lenha seca.” Mais à frente quando se aconselha sobre a escolha e preparação das carnes é referido que “[…] preparar as carnes é muito fácil, pois os processos de hoje são os mesmos utilizados pelas nossas avós que não deixaram de as transmitir a filhas e netas.” Note-se que se tratava de um conhecimento feminino, transmitido entre gerações que se enquadra nas práticas tradicionais imateriais. Para além destes aspetos, embora o receituário apresente, no seu conjunto, uma série de receitas geralmente consideradas tradicionais como o “Arroz doce”(38), a expressão não é usada no título de nenhuma receita.

Apresentada que está obra, importa expor de seguida o estudo do receituário, à luz da categorização em Cozinha dos Territórios, Cozinha Honorífica e Cozinha dos Afetos, conforme proposto.

 

Capa terceira edição

Capa fascículos

2 – Categorização das receitas em O Mestre Cozinheiro

Numa obra vasta, como esta em estudo, é possível encontrar receitas que se podem agrupar em diversas categorias, as quais se enquadram no “valor de uso do ponto de vista emocional e económico da identidade alimentar/gastronómica”(39), mesmo que essas categorias não sejam estanques, tendo em conta algumas receitas podem ser transversais a diferentes grupos – por exemplo a receita “Perdizes da minha mãe”(40), que se enquadra naquilo que se designa por cozinha de afetos, não deixa de ser uma receita honorífica – não deixam de permitir um enquadramento do receituário de acordo com as mesmas.

A única categoria que não foi encontrada foi aquela designada como Cozinha de Autor, pois na obra em estudo não existem receitas cujo título remeta para uma criação individual, para além de que ao longo dos textos não há qualquer referência direta ou indireta a um autor específico, outro aspeto que leva a supor tratar-se de uma coletânea de receitas de autores desconhecidos, como observado em cima.

Porque os exemplos para cada categoria são muitos, apresentam-se nos Anexos “Listas por Categorização de Algumas Receitas a Partir do Índice de O Mestre Cozinheiro”(41) com o duplo objetivo de dar a conhecer outros exemplos de títulos, par além dos que se vão referir, sem alongar demasiado o texto deste estudo.

2.1. – Cozinha dos Territórios (42)

A Cozinha dos Territórios caracteriza-se pelas receitas cujos títulos e/ou ingredientes que se ligam e/ou remetem para um espaço. Podem ser territórios locais (micro), ou mais amplos (macro) (43). Na obra em apreço não são muitos os exemplos de cozinha nacional, embora um dos quais seja inevitável: a “Sopa e cozido à portuguesa”(44), receita que não inclui como ingrediente a carne de porco, embora a mesma esteja presente nos enchidos e no toucinho, e que oferece como opção à carne de vaca a de carneiro. Para além desta, são apresentadas quatro outras receitas de pendor nacionalista referidas como sendo “à portuguesa”.(45)

No que respeita a receitas regionais, os exemplos são mais variados e abarcam quase todo o território português (46) do Minho – “Cordeiro assado à minhota”(47) – ao Alentejo – “Sopa alentejana”(48) –, curiosamente omitindo o Algarve, região a que não é feita qualquer referência ao longo da obra, nem mesmo nas receitas de “Bolinhos de amêndoa imitando frutas”(49).

Ainda nesta categoria, em anexo destaca-se a receita de “Sável à moda do Ribatejo”(50), a qual se pode comparar com a receita editada pela Comissão Municipal de Turismo da Câmara Municipal de Vila Franca de Xira (CMVFX), em fichas informativas distribuída à população em finais da década de 1980 (51), aquando da criação da campanha gastronómica realizada em diversos restaurantes do território concelhio e que, desde 2014, se tornou marca registada com o título de “Março, Mês do Sável”. Ambas apresentam semelhanças, embora a da CMVFX possua mais ingredientes e o modo de preparação seja mais pormenorizado. Par além disso, apesar do pão ser preparado como acompanhamento em ambas as receitas, em O Mestre Cozinheiro é-o em migas, enquanto em Vila Franca de Xira, bem como em outros locais (52), é-o em açorda à qual se juntam as ovas desfeitas e o peixe cozido esfiado.

Na categoria da cozinha de território local, as receitas cujos títulos mencionam expressamente um topónimo são ainda mais numerosas e abarcam tanto a cozinha, propriamente dita, como a doçaria. Para além de alguns exemplos listados em anexo (53), refira-se a receita de “Lagosta à Baleal”(54) e, no extremo oposto dos paladares, a de “Pastéis de Belém” (55) a qual difere muito da receita conhecida e comercializada numa famosa casa da especialidade em Lisboa, pois em O Mestre Cozinheiro o recheio é feito com miolo de pão duro, escaldado em leite, a que se junta mais leite, açúcar e gemas de ovo. Nesta subcategoria os títulos do receituário aludem a grandes cidades como Lisboa e Porto, mas também a vilas como Tramagal em Abrantes e Rio de Moinhos em Penafiel, numa variedade que inclui o arquipélago dos Açores, com a receita de “Queijadas de S. Miguel”(56), mas que exclui o da Madeira, apenas referido numa receita de imitação do vinho (57) e, mais uma vez, o Algarve.

2.2. – Cozinha dos Afetos

Entendem-se por Cozinha dos Afetos as receitas em cujo título é evidente a homenagem a um familiar (58), ou a um lugar de pertença pessoal, remetem para um sentimento de evocação das memórias individuais e dessa forma a sua presença no conjunto do receituário representa uma “fusão da memória familiar e pessoal na memória coletiva.”(59)

Na obra em apreço foram encontradas três receitas que se enquadram nesta categoria:

“Perdizes da minha mãe”(60), “Biscoitos da minha terra” (61) – sem qualquer apresentação, pelo que fica sem se saber qual seria a “terra” – e “Pescada à «avó»”(62), que embora sem o pronome possessivo “minha” e com a palavra avó entre aspas, não deixa de remeter para uma situação afetiva.

Para além das receitas, pode encontrar-se a evocação aos afetos no texto de introdução da obra, por exemplo quando se lê: “Como se sabe, desde os tempos mais recuados, a culinária representou um grande papel dentro dos lares onde o fogo eterno do amor não se apagará.” (63) Deste modo liga-se a cozinha ao amor, ao conforto do lar e embora não esteja presente na frase, bem se pode imaginar, à mulher, a dona de casa a qual “[…] com o auxílio deste bom livro, poderá apresentar à sua família, pratos que os seduzam e provoquem até alegria durante o repasto.”(64) Desta forma alia-se a comida ao prazer e será a mesma “[…] dona de casa, sempre tão afanosa, possuída pelo são desejo de agradar aos seus, de tornar o seu lar um refúgio apetecível.” (65) que faz com que a cozinha seja um espaço feminino, acolhedor de onde saem pratos concebidos com amor, que seduzem, que provocam alegria e que se fixam na memória dos afetos.

Ainda a evocar os afetos note-se a ilustração (66) da capa dos números vendidos, que felizmente a encadernação não excluiu e que podem ser vistas no início dos dois volumes da obra em estudo, onde na cozinha se veem duas mulheres, uma nitidamente mais velha, não só por ser mais alta mas também porque o penteado assim faz deduzir, a cozinhar auxiliada por uma outra mulher mais jovem. A observação da imagem remete de imediato para os ensinamentos da mãe à jovem filha, algo que envolve afetos, memória e transmissão de saberes.

2.3. – Cozinha Honorífica

Como o próprio título indica a Cozinha Honorífica é aquela que homenageia pessoas ou instituições (67). Exemplos da primeira situação, encontram-se em O Mestre Cozinheiro receitas sobejamente conhecidas, como o “Bacalhau à Brás”(68) ou “à Gome de Sá”(69), mas também na doçaria as “Argolinhas do Tó” (70), entre outras (71) que referem nomes próprios, embora também se possam encontrar receitas de homenagem a ocupações profissionais e/ou tipos sociais como “Perdiz à diplomata”(72), ou “Pudim fadista”(73).

Também na cozinha honorífica é comum em outras obras apresentarem-se receitas “conventuais”, as quais muitas vezes são uma homenagem a determinado convento, embora comumente se julgue tratar-se de receitas com origem no labor das freiras ou frades, nem sempre é assim (74). Não tendo a certeza se de facto se tratam de receitas produzidas no seio de um convento, consideraram-se como receitas de cozinha honorífica a de “Pastéis do Convento de Santa Clara” (75), cujos ingrediente para o recheio incluem, entre outros, miolo de amêndoa e gão de bico que se desfaz em puré, as “Celestes de Santa Clara” (76) que na lista de ingredientes refere trinta gramas de cidrão, que no texto da receita não é mencionado e “Raivas (Convento da Castanheira)”(77), cujo título do convento surge entre parenteses no original, tal como foi transcrito e que remete, pensa-se, para o extinto convento da Castanheira do Ribatejo, relativamente ao qual se desconhece qualquer receituário. Para além destes três únicos títulos que evocam conventos específicos é possível encontrar receitas como por exemplo “Bacalhau de abade” (78), ou “Bolo Carmelita” (79) que remetem para uma homenagem à figura maior de um mosteiro e a uma da ordens conventuais mais comuns no território português.

Conclusão

O estudo de O Mestre Cozinheiro, como aliás foi referido, permite muitas outras análises relacionadas não apenas com a culinária propriamente dita, mas também com a história social e económica, pois a leitura da obra apresenta aspetos que remetem para um tempo diferente em que, por exemplo, a utilidade e conteúdo de um frigorífico é objeto de dois capítulos (80). Contudo, no momento, este e outros aspetos não cabem neste trabalho académico. Seja como for esta é uma obra que apesar de editada na década de 1950, talvez pela quantidade de receitas, muitas delas de fácil execução, foi ainda reeditada no novo milénio.

Embora sem apresentar grandes defesas relativamente à importância da cozinha nacional, mesmo não sendo certa a sua autoria, O Mestre Cozinheiro apresenta receitas em cujos títulos foi possível encontrar elementos que permitem a categorização de diferentes tipos de cozinha, que embora à mistura com títulos internacionais que denotam a influência sobretudo da cozinha francesa, não deixam de remeter para o território nacional, do mais amplo ao mais específico, classificados como cozinha de territórios e também alguns exemplos da cozinha dos afetos, sem descurar a cozinha honorífica.

Com certeza a possibilidade de comparação com outros livros de culinária da época, bem como o aprofundamento da leitura de outros estudos semelhantes haviam de possibilitar outras conclusões, contudo a análise desta obra permitiu perceber por que razão semelhantes estudos se aplicam ao património cultural imaterial, pois evocam ensinamentos muitas vezes transmitidos oralmente, nem sempre presentes nas receitas escritas, mas que são recordados como “aquele truque usado pela mãe”, quando ensina a cozinhar determinado prato, bem como os métodos de cozinhar, que podem ser bem diferentes daqueles praticados na atualidade, mas que não deixam de conter gestos e práticas que remetem para a imaterialidade.

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O Livro de Pantagruel – 1945

O Livro de Pantagruel

TÍTULO: O Livro de Pantagruel

SUB TÍTULO: interessante guia de culinária ao alcance de toda a gente

AUTOR: Bertha Rosa Limpo

DATA 1ª EDIÇÃO: 1945

EDITORA: editora ES

IMPRESSO POR: 

SELO
DE MAR
collection

“Culinária no Feminino: Os Primeiros Livros de Receitas Escritos por Portuguesas”, Caderno Espaço Feminino, vol. 19, n.º 1, Uberlândia Minas Gerais), 2008, pp. 117-141.

Isabel M. R. Mendes Drumond Braga

A assinalar o final da II Guerra Mundial, a cantora lírica Berta Rosa Limpo (1981), publicou em 1945, O Livro de Pantagruel, um clássico que, em 1997, deu ao prelo a 63ª ed., com revisão e actualização de Maria Manuela Limpo Caetano. Esta é uma obra  ímpar no panorama editorial culinário português, contando originariamente com 1500 receitas, muitas delas de cunho vincadamente internacional. Ao contrário de quase todos as obras anteriores, este livro de culinária não foi escrito a pensar nos remediados. No prefácio da primeira edição, a autora confessou a sua paixão pela culinária, a primeira compilação das receitas de família, que levou a efeito em 1914, e o contacto directo com chefes cozinheiros franceses e italianos dos diferentes hotéis europeus por onde passava em digressão, que lhe forneceram receitas diversas. Deu igualmente conta que todas as receitas haviam sido experimentadas e que todas davam bons resultados se seguidas as instruções à risca.

Texto em BiBlioAlimentAriA

Alimentação, Saúde e Sociabilidade à Mesa no acervo bibliográfico da Universidade de Coimbra

Carmen Soares (Coord.)

Imprensa da Universidade de Coimbra
Coimbra University Press

LIMPO, Berta Rosa,

O livro de Pantagruel (1955)

A autora (1893‑1981) é uma compiladora confessa e reconhecida a todas as “cozinheiras amadoras” que lhe foram oferecendo as suas receitas, conforme deixa claro na primeira página do livro, denominada “página de honra”, uma espécie de tabula gratulatoria com os nomes de amigas que a agraciaram ao longo dos anos com o seu saber culinário.

A máxima escolhida por Berta Rosa Limpo para “cartão de visitas” daquela que foi, dentro do género literário em apreço, a obra mais editada em Portugal ao longo de todo o século XX 35, com 75 edições, denuncia a filiação da autora na conceção de mesa como espaço de convívio e sociabilização (de raízes clássicas gregas milenares), condensada na frase: “grande sabedoria é comer e beber em boa companhia”, impressa em letras capitais na página que antecede o prefácio (pp. IX‑XIII).

Seguem‑se os prefácios, primeiro o da autora, depois o de amigos por ela escolhidos. Atentemos nas palavras de Berta Rosa  Limpo, uma vez que visam testemunhar, na primeira pessoa, a relação (inesperada, mas íntima) de uma artista do canto e do piano, senhora e dona de casa de boas famílias, com uma arte igualmente requintada, ainda que subvalorizada (ou mesmo menosprezada), a arte da (boa) cozinha. Escritas num registo de proximidade com as leitoras, essas palavras destinam‑se a cativá‑las pelo retrato que, num discurso descontraído, bem‑humorado e repleto do glamour, apresentam da autora e da obra. O público leitor, como sempre, é um coletivo feminino, que se revê no modelo de vida da escritora ou a ele aspira. De menina curiosa, criativa e aventureira – que na ausência da mãe brincava aos teatrinhos líricos e servia às amiguinhas umas “petisqueiras” confecionadas com produtos surripiados da farta despensa – Berta muito cedo (com apenas 15 anos) assume o papel de esposa e dona de casa, inexperiente é certo, mas resoluta em tornar‑se uma anfitriã afamada também pelo requinte das suas receções. A biografia que faz desses anos de aprendizagem empenhada e voluntariosa dos segredos da cozinha revela a harmonia que, neste domínio como noutros, deve haver entre conhecimento teórico e prático. É dessa sua propensão natural para acumular saber com metodologia que nasce, cedo (em 1914, aos 20 anos de idade), a Berta autora de livros de receitas. A escrita, conforme a própria revela, é fruto do seu trabalho de salvaguarda do património culinário familiar (composto pelas “boas receitas que existiam na família”, p. XI), do seu labor de colecionista (na recolha de receitas pelos lugares por onde viajava, sendo que o seu elevado nível social a colocou em contacto com a alta cozinha estrangeira então mais prestigiada, a francesa e a italiana) e da criatividade do seu génio. É com uma pitada de orgulho que Berta Rosa Limpo revela o rigor e método dessa tarefa de pesquisa (p. IX):

“Assim, por aí fora, fui enchendo cadernos, cadernos ordenados, com os seus competentes índices, de receitas experimentadas, corrigidas, aperfeiçoadas e também algumas… inventadas”.

Conhecedora da psicologia feminina, a autora revela‑se mestra na arte da captação de futuras compradoras do seu livro. Assim, conjuga na escrita “ingredientes” que persuadiriam as leitoras: deleite, eficiência, economia, simplicidade, requinte, fiabilidade e sedução. Para tal a autora garante, respetivamente: receitas saborosas, conselhos úteis e práticos, preparados a preços módicos (diferentemente das “receitas quase impraticáveis, por dispendiosíssimas” de outros livros), de fácil execução, alheios ao “vulgar” (“conhecido de toda e qualquer banal cozinheira”, p. XII), todos experimentados e excelentes trunfos na arte de seduzir os maridos (“que ficam pelo “beicinho”, se, depois de um dia de intenso trabalho, as suas mulheres lhes fizerem servir um jantar apetitoso e bem servido”, p. XIII).

Já no que se refere às receitas que foram sendo publicadas nas sucessivas edições, é de assinalar que a mudança da matriz burguesa e requintada (inicialmente marcada por uma oferta orientada para os gostos das elites, dominados pelos padrões francês e italiano) se dá em 1952, com a publicação da 11.ª edição. Introduzem‑se, então, rubricas culinárias que denunciam preocupações economicistas e orientadas para um público económica e socialmente mais diversificado. Dessas reorientações dão conta o aparecimento das seguintes novas quatro rubricas: cozidos, bacalhau, enchidos e alimentação para crianças. Também a aproximação à culinária nacional faz parte das principais renovações desta edição, com uma presença clara de cozinha portuguesa, muito em especial no setor da doçaria. Aí deparamos com títulos de exemplos da culinária dos territórios portugueses (Biscoitos de Torres Novas, Biscoitos dos Açores, Bolos de Elvas, Coimbras, Pratas de Cascais, Bolo de mel do Algarve, Bolo de mel da Ilha da Madeira, Quéques de Odivelas, Bolos algarvios, Bolos de Lisboa, Broas de Alcobaça, Queijinhos da Madeira, Rolo‑torta de Viana – com 7 receitas diferentes – Tigelas de Abrantes, Bolo Coimbra, Pasteis de Tentúgal, Nógado do Algarve), da “cozinha de autora” (Bolo de chocolate à minha moda) e da culinária honorífica (com nomes próprios de várias pessoas, como: Palitos Maria de Lourdes, Bolos da Olga, Bolo Maria Alice e Pudim Adelina, entre outros), categoria em que não está ausente a “culinária dos afetos” familiares (Argolas da prima Maria, Bolos da Tia Aniquinha, Bolos da Tia Rosa, Quadrados da Tia Anica, Bolo da prima Guiomar, Maçãs da Tia Firmina e Arroz doce à moda da minha Mãe). Importa notar que a renovação editorial da obra, ocorrida com a 11.ª edição, correspondeu a uma duplicação do número total de receitas, que passou de 1500 para 3000!

(CS)

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Cozinheira ideal – 1942

Cozinheira ideal

TÍTULO: Cozinheira ideal

SUB TÍTULO: 2550 receitas prácticas: 365 almoços, 365 jantares

AUTOR: Alda de Azevedo

DATA 1ª EDIÇÃO: 1952
3ª Edição – 1943 
4ª Edição – 1948 
9ª Edição – 1957 
10ª Edição – 1958 
11ª Edição –  1960
12ª Edição – 1963 
19ª Edição – 1973  
23ª Edição – 1976 
25ª Edição – 1978 

EDITORA: Livraria Civilização. Porto

IMPRESSO POR: Tipografia do Dicionário Corográfico. Porto

SELO
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4ª Edição – 1948 

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Guia da Doceira em sua casa – 1934

Guia da doceira em sua casa

TÍTULO: Guia da doceira em sua casa

SUB TÍTULO: Dedicado aos artistas do teatro português

AUTOR: Maria Margarida

DATA 1ª EDIÇÃO: 1934

EDITORA: Papelaria e tipografia treze

IMPRESSO POR: Papelaria e tipografia treze. Cartaxo.

SELO
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A cosinheira das cosinheiras – 1932

A cosinheira das cosinheiras

TÍTULO: A cosinheira das cosinheiras

SUB TÍTULO: A arte de comer bem. Higiene alimentar e mais de 500 receitas para cosinhar, fazer doces, gelados, compotas etc

AUTOR: Rosa Maria

DATA 1ª EDIÇÃO: 1932

EDITORA: Empresa Literária Universal, Lisboa

32 edições até 1999. As primeiras ficaram a cargo da Empresa Literária Universal, com sede em Lisboa, e, pelo menos a partir da nona, de 1955, da Civilização Editora no Porto.*

Outras edições 5ª edição 1941 / 6ª edição D.L. 1952 / 7ª edição D.L. 1953 / 9ª edição 1955 / 11ª edição 1957 / 12ª edição 1958 / 13ª edição 1959/ 14ª edição 1962 / 15ª edição 1966 / 18ª edição 1967 / 19ª edição 1969 / 1972 Nova edição / 24ª edição 1974 / 25ª edição 1975 / 26ª (27ª) ? edição 1977 / 28ª edição 1978 / 29ª edição 1981 / 30ª edição 1982

IMPRESSO POR: 

ROSA MARIA PARA A ELITE, ROSA MARIA PARA O POVO. CULINÁRIA BRASILEIRA E CULINÁRIA PORTUGUESA NA PRIMEIRA METADE DO SÉCULO XX

ROSA MARIA TO THE ELITE, ROSA MARIA TO THE PEOPLE. BRAZILIAN AND PORTUGUESE CUISINES IN THE FIRST HALF OF THE 20TH CENTURY

Isabel Maria Mendes Ribeiro Drumond Braga * isabeldrumondbraga@hotmail.com
Universidade de Lisboa, Portugal
Maria Cecilia Barreto Amorim Pilla ** ceciliapilla@yahoo.com.br
Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Brazil
ROSA MARIA PARA A ELITE, ROSA MARIA PARA O POVO. CULINÁRIA BRASILEIRA E CULINÁRIA PORTUGUESA NA PRIMEIRA METADE DO SÉCULO XX

Revista de História (São Paulo), núm. 177, a03217, 2017

Universidade de São Paulo, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Departamento de História

3. Em Portugal, as informações acerca da biografia de Rosa Maria são paupérrimas. O desconhecimento do verdadeiro nome da autora tem impedido que se conheçam alguns traços biográficos e que se faça a necessária contextualização. Na obra que aqui se estuda, a própria referiu acerca dos doces que eram receitas experimentadas, presume-se que por si mesma, e, acerca dos pontos de açúcar, confessou não ser especialista.24 Ao longo do livro, mencionou diferenças de preparação de determinados pratos em Portugal e no estrangeiro, conhecimento que poderá ter sido obtido por experiência em viagens ou por mera leitura de receituários estrangeiros, mas nada acrescentou que permitisse vislumbrar a sua formação.

Entretanto, no intuito de obter dados concretos, entramos em contato com a Editora Civilização e apuramos que Rosa Maria era, na verdade, um senhor chamado Gaspar de Almeida, pai de um funcionário da filial da editora de Lisboa. Este era igualmente editor, eventualmente da Empresa Literária Universal, a quem Américo Fraga Lamares (anterior administrador da Civilização) comprava algumas edições. A inexistência de arquivos e a ausência de colegas contemporâneos desta figura, que há muito deixara a empresa, implica a inexistência de certezas. Aparentemente, Gaspar de Almeida também foi autor de Cartas de amor para namorados, saídas na Empresa Literária Universal, com edições em 1950, 1964, 1967, 1969, 1970, 1971, 1972, 1973, 1974, 1976, 1978, 1980, 1981 e 1986, sob o pseudônimo de Maria Celeste. Traduziu ainda Arte de encadernar os livros e Fabrico de inseticidas.25 Estas e outras traduções do francês foram dadas ao prelo em obra intitulada Trabalha para ti: podes ganhar o dinheiro que precisas, publicada pela Empresa Literária Universal em 1939. Sob o pseudônimo de Maria Celeste encontram-se ainda Histórias de Bertoldo e Bertoldinho, da Civilização, com edições em 1953, 1954 e 1955 e a adaptação de As mil e uma noites contadas às crianças (1955 e 1957).

Rosa Maria ignorou o bom gosto como virtude social no âmbito da vida mundana 26 e publicou diversos livros de cozinha, todos eles pautados pela ideia de permitir às donas de casa realizar pratos econômicos. *A obra de maior sucesso foi a referida A cosinheira das cosinheiras, com 32 edições até 1999. As primeiras ficaram a cargo da Empresa Literária Universal, com sede em Lisboa, e, pelo menos a partir da nona, de 1955, da Civilização Editora no Porto. A mesma autora, tendo em conta as dificuldades econômicas e a necessidade de simplificar as refeições, procurou divulgar a elaboração de menus simples e baratos, através de livros de baixo custo, vendidos a 1$00. No prefácio de um deles, Como se almoça por 1$50: 100 almoços diferentes, a isso mesmo se referiu em 1933. O mesmo aconteceu na obra Como se janta por 3$00. 100 jantares diferentes, publicada no mesmo ano. Ambos conheceram três edições até 1936. As receitas apresentadas eram naturalmente simples e econômicas, sendo de destacar que entre elas não se contaram sobremesas, entendidas como um luxo, e que apareceram sempre os preços dos gêneros, tendo em conta o mercado de Lisboa.27 Em 1956, Rosa Maria publicou oito livros cada um dos quais com 100 receitas (100 maneiras de cozinhar…) agrupadas por acepipes, molhos e saladas; bacalhau, carne, doces, ovos, peixe, sopas e cozinha vegetariana. Mais uma vez o público-alvo foi a comunidade de leitoras pouco abastadas, mas preocupadas com as refeições diárias das famílias.28

No que se refere à Cosinheira das cosinheiras, se excetuarmos a atualização ortográfica e o tipo de papel, as edições mantiveram-se sem alterações. Consequentemente, o conteúdo da obra não sofreu nem revisões nem adendas. Rosa Maria pretendeu aliar higiene, ideias sobre nutrição, sobriedade alimentar, saúde, receitas práticas e economia. Abriu com uma página dedicada “Às Senhoras que dirigem o lar doméstico”, na qual patenteou os seus objetivos, a saber, a apresentação de receitas práticas de salgados e de doces para facilitar a vida das donas de casa. Em seguida, tornou clara a ligação entre alimentação e saúde, um tópico muito corrente desde a Época Moderna, acrescentando que havia fornecido receitas específicas para determinados quadros clínicos. Entendendo que comer bem não era sinônimo de comer muito, ressaltou a necessidade de consumir alimentos agradáveis ao paladar e com o valor calórico adequado. A referência a matérias de economia doméstica apareceu disseminada: “É preciso não desperdiçarem a maior riqueza, a saúde, cozinhando sem método, sem organização, sem valor nutritivo e muitas vezes a par da perda da saúde, ainda a ruína da bolsa”.29 Porém, as matérias relativas ao gosto que, como Flandrin chamou a atenção, foram sempre objeto de modas criadoras de distinções sociais e de novas sociabilidades,30 acabaram por ser mais do que secundarizadas, ficaram praticamente omissas.

As páginas seguintes, sob o título “A cosinheira das cosinheiras”, foram ocupadas a dissertar sobre a necessidade de alimentos de acordo com o sexo, a idade, as estações do ano e um maior ou menor sedentarismo. Seguiram-se considerações sobre os alimentos, na realidade, sobre estes e determinados preparos, considerando-se que o caldo era o primeiro prato de todas as mesas. Em seguida, caracterizou as carnes, designadamente as de boi, cavalo novo e burro, carneiro, vaca, vitela, peru e pato, galinha e finalmente porco, de acordo com o que entendeu a melhor hierarquia em termos de qualidade. Os peixes foram objeto de curtíssimas observações, sendo entendidos como pouco alimentícios, embora se tenham ressalvado pescadas, linguados e pargos, “pratos do meio de muita estimação”, para quebrar a monotonia das carnes. Mariscos, ovos, manteiga, azeite, arroz, considerado um produto econômico; legumes, hortaliças, batata, pão de trigo, de milho, frutas, água, vinho, bebidas brancas, cerveja, café, chá e chocolate, particularmente relevante para pessoas de constituições fracas e anêmicas, foram também objeto de atenção. Esta seção terminou com a apresentação de diversos quadros nos quais se podem ver informações sobre o valor calórico dos alimentos, o tempo de digestão e o que deveria ser a alimentação “normal” de uma pessoa, a qual deveria consumir 2.405 calorias por dia.31

Antes de iniciar as páginas dedicadas às receitas, Rosa Maria referiu-se brevemente aos diversos regimes alimentares para doentes e explicitou as razões para se cozinharem os alimentos, ou seja, tal prática permitia um processo preliminar de digestão, eliminar organismos nefastos e tornar os alimentos mais agradáveis. Ao longo destes preâmbulos foi mostrando ser conhecedora da realidade envolvente, designadamente da pobreza rural ao escrever: “Com duas boas tigelas de caldo, dois pedaços de pão, 4 ou 6 sardinhas, alimentam-se, à falta de melhores refeições, milhares e milhares de trabalhadores rurais, que vergam nos campos de sol a sol, sob a ação dum trabalho violento”32 ou “o pão de milho, a batata, a hortaliça, a sardinha e o bacalhau constituem quase exclusivamente a alimentação dos aldeões portugueses”.33 Se face a estas realidades nada propôs, em relação aos de médios recursos, assinalou a carne de carneiro como uma boa opção, uma vez que era superior às de vaca e de vitela e “pelo seu preço nos talhos, muito inferior ao da carne vacum, oferece a muita gente das classes menos abastadas um recurso precioso, pois que, além de mais barato, é um grande reparador das despesas do organismo e um alimento saboroso quando bem preparado na cozinha”.34

Num país vinhateiro como Portugal, a questão do alcoolismo era um problema sério. Se bem que o Estado Novo não tenha definido uma política vinícola, não deixou de promover diversas medidas para incentivar o aumento do consumo do vinho e das uvas, chegando, através da Junta Nacional do Vinho, a promover um concurso de cartazes. Ficaram famosos slogans como “Beber vinho é dar de comer a um milhão de portugueses” e “Comam uvas, bebam vinho”. Os cartazes foram distribuídos por tabernas, mercearias, casas de pasto e barbearias. O vinho era apresentado como um complemento ou um substituto de refeição e, apesar de alguns médicos se mostrarem preocupados com os efeitos do consumo excessivo, outros, bem como as autoridades, entendiam que o alcoolismo era resultado do consumo de bebidas brancas e nunca da ingestão de vinho.35 Rosa Maria esteve relativamente bem enquadrada nesta questão, ao considerar o vinho um alimento, o qual deveria ser consumido em “porção racional”, durante as refeições. Em excesso, levava a doenças mortais e à “prática de crimes hediondíssimos”.36 Já as bebidas brancas eram “um veneno”, que davam “aos hospitais, aos cemitérios e às prisões um contingente horroroso”.37 Poderiam ser toleradas em circunstâncias específicas, como no mar ou após a chuva, quando não se podia mudar de roupa.

Em alguns passos da obra, Rosa Maria forneceu às leitoras informações genéricas acerca do significado de esparregado, maionese, papas, sopa e carapinhada além de ter esclarecido a complicada arte dos pontos de açúcar.38 Explicou ainda com pormenor o modo de amanhar peixe, abrir crustáceos, limpar moluscos e arranjar vísceras.39 No primeiro caso, atente-se no que escreveu acerca da maionese: “é um prato frio importado da cozinha francesa em que entra o molho do mesmo nome ou o molho tártaro, prato geralmente complexo e que, bem preparado, apresenta não só um sabor delicado como um aspeto muito agradável”.40

Como em qualquer livro de cozinha, houve que fazer escolhas no que se refere à disposição das receitas: a sucessão dos pratos em cada refeição, de acordo com uma ementa diária ou semanal, ou por ordem alfabética dentro de cada tipologia. No caso da obra em estudo, a opção recaiu na forma de organização em várias seções: receitas para cozinhar, isto é, pratos salgados; doces práticos, carapinhadas, compotas, geleias e queijadas. Como qualquer outra tentativa de organização dos receituários, esta oferece alguns problemas, designadamente uma imprecisão geral no capítulo dos salgados e uma subdivisão peculiar dos doces. Mas as questões não ficaram por aqui. A obra foi sendo impressa com pouco cuidado, em papel de má qualidade, embora tenha conhecido capa dura e em cores. Nem sempre os títulos das seções corresponderam aos do índice ao mesmo tempo em que há receitas como, por exemplo, “Feijão verde panado ou à milanesa (vagens)”,41 que não constam do referido índice.42 Dentro de cada seção, o receituário foi organizado por ordem alfabética, embora, em alguns casos, se encontrem exceções, ao mesmo tempo que apareceram receitas com a mesma designação, com conteúdos distintos e nem sempre em sequência, caso, por exemplo, de “Bife à inglesa”.43 Ou seja, estamos perante uma autora que domina o português básico não particularmente cuidado e edições sem revisão e de baixa qualidade formal e material, na maioria dos casos das mais antigas.

Tentemos uma arrumação das receitas que se pretende mais clara, o que não nos deve fazer esquecer a presença de carnes e de peixes diferentes na mesma receita ou de sopas que contêm carne ou peixe, ou ainda de saladas com aves ou com crustáceos, por exemplo. Por outro lado, importa fazer referência à presença de ingredientes para vários bolsos. Se bem que Rosa Maria, nas considerações que traz antes das receitas, tenha dado pouca importância ao peixe, o número de preparados deste gênero foi o mais significativo, atingindo os 139, isto é, 27% do total das receitas e 39% das receitas salgadas, sendo de salientar que as receitas de bacalhau, então um alimento barato, ultrapassaram a centena.44 No reino da carne, tenha-se em conta que, além de algumas receitas de vaca e de vitela, encontram-se muitas com partes não nobres das carnes. Ou seja, o receituário salgado é predominantemente econômico, composto essencialmente por peixes como bacalhau e sardinha e por carnes diversas, incluindo aves, contando-se ainda algumas receitas de vísceras de vaca e de porco. E note-se que, mesmo assim, carnes vermelhas e aves representaram apenas 18% do total. Açordas, caldos e outras sopas, pratos genericamente econômicos, tal como os de vegetais, estiveram igualmente bem representados. O grande investimento parece ter sido no capítulo dos doces (30%). Nestes encontram-se bolos grandes e pequenos, compotas e geleias de frutos, carapinhadas, gelados, pudins e outros doces de colher. O açúcar reinou, bem como os ovos e as amêndoas secas, sem esquecer os frutos frescos.

Tal como nos mais antigos livros de cozinha publicados em Portugal desde o século XVII,45 a autora optou por não fazer a separação entre ingredientes e modo de preparação, no que se referiu aos salgados, com exceção das receitas de “Bacalhau panado e frito” e de “Massa tenra sem ovos para frituras recheadas”.46 Já no que se referiu aos doces, essa separação foi prática corrente em cerca de metade das receitas, o que parece evidenciar a cópia de receitas de obras muito diferenciadas e de épocas diferentes. Por outro lado, tal como no passado, na maior parte das receitas de salgados, as indicações sobre quantidades ou estão omissas ou são parciais ou, mais raramente, definem-se em termos de proporções. Tais foram os casos, por exemplo, de “Arroz de pato”, de “Bacalhau à portuguesa” e de “Bacalhau verde”.47 Em consonância, o número de porções que cada receita proporcionava esteve igualmente omisso, com exceção da receita de “Sopa de tomates”.48 Quando um preparado necessitava de um molho, nem sempre se remeteu para a seção e para a página em que a receita do mesmo se encontrava.49

Na impossibilidade de exemplificar todas as questões, veja-se o caso da receita de “Arroz de amêijoas”: “Lavam-se em água corrente as amêijoas de maneira a tirar toda a areia que estas têm. Põem-se a cozer e logo que estejam abertas, deitam-se num refogado de cebola, azeite, salsa picada, pimenta, sal, cravo-de-cabecinha e uma pitada de colorau doce. Depois de todas bem refogadas, junta-se-lhe a água e deixa-se ferver, e logo que ferva, lava-se o arroz e deita-se dentro até cozer. Prova-se, e manda-se servir uma vez que esteja ao vosso paladar. Se for tempo de tomates, não vos esqueçais de lhe deitar alguns depois de lhe tirardes a casca e a semente”.50

Como se compreende, na primeira metade do século XX, a questão da sazonalidade dos alimentos tinha um peso bastante diferente do da atualidade. Apesar da conservação de gêneros ser uma realidade desde tempos recuados, está bem patente a dependência de alguns alimentos na estação própria. Veja-se o caso do tomate, na receita supracitada e em outras. Por exemplo, em “Arroz de camarão”, pode ler-se: “tomates se os houver”; em “Cação de caldeirada” esclarece-se: “à falta de tomate fresco, pode empregar-se a conserva de calda, ou a massa, mas esta em geral, quando comprada no mercado, não é de confiança”. Já em “Molho de tomate”, a opção é pacífica: “no tempo em que não há tomates frescos pode empregar-se massa de tomate ou calda de tomate em conserva”. Finalmente, em “Sopa de grão com arroz ou com massa”, uma possibilidade passava por juntar ervilhas ao preparado “no tempo” delas, pois ficava “muito gostosa”.51 Rosa Maria mostrou reservas acerca do consumo de tomate em conserva produzido industrialmente, como se verificou. Porém, nas receitas de doce, oscilou entre a preparação de geleias a partir da mão de vaca e o seu uso em folhas, ou seja, o consumo de um produto já processado, o que pode, de novo, evidenciar a cópia de receitas de épocas e proveniências diversas.

Sendo um livro de receitas básicas, pensadas para o dia-a-dia e para pessoas com recursos médios, não se verifica uma preocupação constante com os aproveitamentos das sobras, ou com chamadas de atenção para os pratos econômicos. Mesmo assim, em “Ovos com carne cozida” pode ler-se: “um dos bons processos de aproveitar a carne cozida que sobra dos jantares é cozinhá-la com ovos”;52 em “Sopa de carne à portuguesa”, dá-se uma opção mais acessível: “estas sopas também se podem, por espírito de economia, substituir a carne por ossos de vaca ou vitela, que dão muito bom gosto e saem muito baratos”53 e em “Sopa à alentejana”, pode ler-se que é “muito rápida e econômica”.54 De alguma forma, semelhante foi a preocupação em preparar pratos rápidos e econômicos para visitas inesperadas. Na receita de “Atum em maionese” aconselhou:

…as donas de casa previdentes e que dispõem dalguns meios têm sempre a sua despensa fornecida de elementos com os quais, à última hora, preparem uma iguaria, quando a chegada de um comensal inesperado torna necessário o acrescentamento do jantar. É manjar clássico para esses acrescentamentos o chouriço com ovos, mas os elementos a aproveitar são vários, e entre eles, figura o atum de conserva em azeite, com o qual, num quarto de hora, se prepara uma boa maionese.55

A autora salientou alguns produtos locais que lhe pareceram particularmente bons: azeite de Santarém e couves tronchudas do Douro; e apresentou alguns pratos regionais: “Açorda à alentejana”, “Bacalhau à moda do Porto”, “Bacalhau à portuense”, “Bacalhau de cebolada à alentejana”, “Bacalhau à Ericeira”, “Bacalhau albardado à moda de Águeda”, “Bacalhau com couve-flor à transmontana”, “Bacalhau em açorda à alentejana”, “Bacalhau em arroz à moda do Crato”, “Bacalhau à moda de Lamego”, “Carneiro à transmontana”, “Coelho à transmontana”, “Rosbife à portuense”, “Sopa à alentejana”, “Tripas à moda do Porto”, além de muitas outras receitas “à portuguesa”. Encontram-se ainda muitos pratos que remetem para uma proveniência estrangeira,56 tais são os casos de “Açorda à andaluza”, “Ameijoas à espanhola”, “Arraia à valenciana”, “Bacalhau à alsaciana”, “Bacalhau à espanhola”, “Bacalhau à aragonesa”, “Bacalhau à biscainho”, “Bacalhau à Cádis”, “Bacalhau à Chantilly”, “Bacalhau à inglesa”, “Bacalhau ao gratem à provençal”, “Bacalhau à parisiense”, “Bacalhau à provençal”, “Bacalhau à sevilhana”, “Bife à inglesa”, “Brócolos à italiana”, “Costeletas à milanesa”, “Dobrada à milanesa”, “Feijão branco à italiana”, “Frango à inglesa”, “Linguado à valenciana”, “Macarrão à italiana”, “Massa folhada à francesa”, “Molho à espanhola”, “Peru recheado à brasileira”57, “Pudim de peixe à francesa”, “Repolho fresco à alemã” e “Salada de tomate à italiana”. No capítulo dos doces, a inspiração mais recorrente parece ter sido o Brasil, não apenas nas designações como também em diversos doces com coco: “Baba de moça”, “Baba de moça com coco”, “Biscoitos de coco à sinhazinha”, “Compota à sinhazinha”, “Corações de moça”, “Pudim à Tijuca”, “Pudim de pão à brasileira” e “Queques de coco”. Refiram-se ainda “Pudim francês”, “Queques parisienses” e “Tigelinhas espanholas”. Em termos regionais, apresentaram-se: “Fatias doces de Braga”, “Fidalguinhos de Braga”, “Maneizinhos de Elvas”, “Mulatos de Torres”, “Ovos-moles de Aveiro”, “Palitos de Oeiras”, “Pudim de ovos à moda de Coimbra”, “Queijadas de Estremoz”, “Queijadas da Madeira e “Queijadas de Sintra”. Neste último caso, deu a fonte: “esta receita foi-me dada por uma criada que se dizia sobrinha da queijadeira sintrense Matilde e confirmada por pessoas da terra”.58

Rosa Maria, em “Tripas à moda do Porto”, fez saber as diferenças do modo de preparar este prato em casa e nos restaurantes, considerando que neles “suprime-se em geral o trabalho de passar o feijão e juntam-se vários temperos, como cebola e louro, com os quais conseguem um prato muito mais indigesto”.59 De resto, nunca se preocupou muito com a apresentação das iguarias, tendo só pontualmente dado sugestões.

Os utensílios de cozinha referidos foram muito pouco sofisticados. Num caso, a alusão remeteu para o passado, com o uso da sorveteira e a explicação acerca do funcionamento da mesma,60 objeto que só se tornará obsoleto na segunda metade da centúria, quando o frigorífico começou a ser divulgado entre os particulares.61 Em “Bife à inglesa”, Rosa Maria considerou ser necessário um fogão e uma grelha com disposições especiais e, em “Ovos estrelados à portuguesa”, informou acerca da existência de frigideiras para estrelar ovos separados uns dos outros,62 o que parece evidenciar uma novidade para a época, uma vez que explicou as características da peça.

A análise das receitas, como se verificou, pode colocar em perspectiva domínios diferenciados, tais como os ingredientes, os utensílios, as técnicas culinárias e o produto final obtido. Ao identificar os gêneros alimentares e os objetos que foram referenciados vão desfilando permanências e mudanças, quer na própria obra quer quando se procede à comparação com outros receituários semelhantes de anos próximos. Basicamente, em Rosa Maria para o povo, predominou esmagadoramente o uso de produtos in natura desconfiando-se, mas não as excluindo, da calda de tomate e da gelatina industriais, o que evidencia a compilação de receitas de várias épocas. Não há referências a novidades para a cozinha, em especial no que se refere aos eletrodomésticos, cuja expansão se dará nos anos seguintes à II Guerra Mundial. A designação dos pratos remeteu para o nacional, para o regional e, mais modestamente, para o estrangeiro, o que está em consonância com a preparação de refeições comuns e pouco sofisticadas, com escasso investimento na apresentação dos pratos.